Despendia todo o seu tempo coletando DNA de pessoas famosas. Viajou o
mundo inteiro, e conservava para si os espécimes mais surpreendentes,
versáteis, e os que mais lhe agradassem o gosto. Guardanapos, chicletes,
bitucas de cigarro, copos descartáveis. Tudo era um universo de
informações biológicas que serviriam a fins bem peculiares.
De
volta ao seu pequeno laboratório, trabalhava duro, dias à fio. Uma vez
concluído, encaminhava outra peça à propriedade da família, em lugar
muito remoto.
Seu pequeno zoo de artistas miniaturizados era bem
mais interessante do que todos aqueles cães, cavalos, hipopótamos, etc.,
em tamanho reduzido.
Tantas possibilidades com aqueles pequenos seres!
Anderson Dias Cardoso.
sábado, 5 de setembro de 2015
sexta-feira, 4 de setembro de 2015
Meliantes...
Eram assaltantes reversos, treinados para lidar com pessoas
orgulhosas.Violentíssimos e cruéis caso não aceitassem o dinheiro que
ofereciam às suas vítimas!
Anderson Dias Cardoso.
Anderson Dias Cardoso.
segunda-feira, 31 de agosto de 2015
O Que Diria Circe?
Cara magro,
bigodinho fino, bermuda com padrões nada discretos lhe tentando vender “areia
mágica para construir castelos”. De tão absurdo resolveu entrar na pilha. Pechinchou,
brigou, xingou, até que escutou a voz que insistia logo ao fundo, atrás do sol.
Ela contou, três, dois, um; e com o estalo dos dedos ele despertava da hipnose,
mas não se encontrava estirado numa poltrona, num consultório com cheiro de
livros, chão acarpetado e pêndulo dançando sobre os olhos.
Sarjeta
lamacenta, lixo, uma fauna de animais repugnantes e um cheiro insuportável. Haviam
alguns mendigos escondidos por ali, e a maioria fugiu quando resolveu se
levantar, porém um se aproximou, ainda que meio desconfiado.
À distância
de um braço parou. Mesmo cabelo, nariz olhos...Incrível!A imagem do espelho
certamente havia lhe fugido para se abrigar nas ruas.
A boca
tremelicante tentou perguntar alguma coisa, mas seu duplo se antecipou. O nome,
certamente seria o mesmo!Pensou em perguntar de onde vinha, mas sua imitação
parecia ainda mais confusa que ele.
-Você está
morto!-Sussurrou.
-Claro que
não!-Sentiu vontade de empurrar sua cópia, e fugir para o apartamento, mas não
sabia ao menos onde estava. Foi se afastando, mãos enxugando o suor, ar se
tornando rarefeito e estômago em turbulência.
-Eu tenho seus
documentos, olhe!Eu o descobri no obituário, faz uns seis meses, gostei do seu
jeito e te copiei...
O homem
ameaçou uma corrida, mas foi agarrado, derrubado e imobilizado pelo seu
simulacro.
-Está maluco!Você
não tem autorização para sair do beco. Eles vão te matar!
-Mas o
que...
-Me parece
que vocês humanos gostam de criar guetos para se distinguirem, respondeu numa
voz angustiada.
-Me
larga!-Esperneou, se debateu, tentou cabeçadas e coices, porém a criatura era
bem mais forte.
-Mas o que
você...
-Meu nome é
Ralai, de um planetinha obscuro próximo à ZZB-817; se bem que sua raça ainda
não mapeou aquelas bandas...
-Metamorfo?
-É o que
parece.
-Seu mundo
possui substantivos masculinos e femininos?
-Sim, e
obrigado por perguntar, sou uma fêmea... -Sua própria voz naquela boca foi
mudando de tom à medida que a frase era completada.O corpo acompanhou a
transformação, com suas curvas se encaixando na folga da roupa, e os cabelos acobreados
pendendo em preguiçosas ondas, ornando com a pele sardenta que provavelmente
não era sua.
-Se não me
sentisse aterrorizado por estar em um sonho maluco eu diria que isso é
fascinante.
-Normal.
-Você cheira
bem para quem vive nas ruas...
-Não sinto nada.
Devem ser feromônios...Já tive problemas com algumas pessoas...e cães também.
-Eu sou
Eleautério!-Sorriu, mas a criatura estava às suas costas.
-Eu sei. Gosto
desse nome.
-Poderia me
soltar agora, acho que me fraturou uma costela.
-Desculpe. Foi
para seu bem!
-Seu cheiro
é realmente muito bom!E, a propósito, onde esse beco vai dar?Fim do mundo,
cidade das fadas, covil do Bicho-Papão?
-Não sei ao certo.
Já Percorri alguns quilômetros, e isso fica mais largo, ou estreito em alguns
pontos.Algumas pessoas dizem que não tem fim.Há minúsculos mercados, praças, e
alguns dizem que até uma pequena cidade ao longo do caminho.
-Como as
pessoas podem sobreviver dessa forma?
-Nós podemos
aprender muito com a história, e com os ratos. Não é nada que nunca tenha se
visto.
-Mas... o
que está acontecendo lá fora, e como viemos parar aqui?
-Isso aqui é
uma espécie de quarentena. Já dura alguns anos.Colapso econômico por conta da
corrupção, algumas milícias na rua, muita violência, e o governo repentinamente
alertou para a inoculação de um vírus extraído de porcos, de algum laboratório secreto
lá pras bandas no norte, numa pequena célula de terroristas, que se misturaria
às comunidades, e infectariam quantos pudessem.Daí as pessoas começaram a ser
convocadas de acordo com seus números de registro, o que é muito estranho, e
forçadas a se recolherem em becos como este.No início havia uma maioria negra,
e o pessoal começou a se agitar, mas logo chegaram os judeus, homossexuais, protestantes,
moradores-de-rua, palhaços e atendentes de fast-food, e tudo ficou mais calmo e
divertido. Quanto à como você veio parar aqui, eu não tenho a menor idéia!Eu e
meus amigos achávamos que você era um daqueles cadáveres sem identidade, rosto
e digitais que costumam desovar por aqui de vez em quando.
-Estou
faminto.
-Existe uma
casa, uns quatro quarteirões daqui. Eles jogam umas sobras excelentes pela janela.Cheguei a
encontrar uma média quase intacta, uma boa carcaça de frango e umas frutas com
alguns pontinhos apodrecidos...
-Lixo!?Isso
é nojento... -Se afastou com o rosto contorcido de asco.
-A fome te
obriga, e logo você se acostuma.
-Vou tentar
escalar uma dessas paredes. Eu não vou ficar nesse lugar imundo...
-Eles nos
deixam em paz, e nos alimentam; desde que não tentemos nada. As paredes são
muito altas, lisas e cobertas por uma espécie de limo. Antigamente ouvíamos
também tiros. Ninguém se arrisca hoje em dia.
-Eu preciso
acordar desse pesadelo...
-Posso te
assegurar que não está dormindo.
-Claro!E, de
que eu morri mesmo?
-Atropelamento. Uma van escolar.As crianças
ficaram realmente assustadas quando viram todo aquele sangue no chão!
-Impossível,
deve ser outra pessoa. Talvez, um do seu tipo...
-Talvez. Se
bem que nunca dei falta de nenhum conhecido, ou fui informada da morte de
qualquer parente...Mas você não dizia que tem fome?
-Eu me
agüento.
-Devo te
avisar que o tempo-espaço aqui no beco é bem estranho. Às vezes uma conversa
durante uma caminhada pode te roubar algumas semanas, e não te levar mais do
que alguns metros à diante.
-Não
existiria alguma opção que não o lixo?
-Existem os
ratos, cães... Encontro, ocasionalmente, alguns porcos perambulando por aqui ou
ali.Já vi coelhos, certa vez; mas acho que foi em algum sonho.
-Vamos adiante.
Quero conhecer um pouco sobre este lugar.Quem sabe descubra algo à mais sobre
mim mesmo.
-O pessoal
organiza uma fogueira com jornais, restos de móveis...
-Não quero
misturar seu cheiro ao de seus amigos vagabundos. É como se estragasse um bom
perfume.
-É suor...
-Seu hálito.
Queria provar um beijo da tua boca.
-Você me
constrange.
-Eu não
costumo sonhar os mesmos sonhos, e tenho medo de não a reencontrar em outro
deles...
-Mesmo sendo
um lugar estranho, este, como lhe disse, não é um sonho.
-O seu sabor
pode me convencer- ele avançou lentamente, sem qualquer resistência. A saliva
era adocicada, e a língua possuía uma textura de veludo. Sem saber suas papilas
decifravam seu DNA.Ele a comprimiu, e ela se sobressaltou.Havia algo de errado.
-Eu não vou
lhe machucar- se desculpou; mas ela já havia se afastado muito, em direção
oposta a que devia. Dobrou a esquina, antes que alcançasse o braço. Havia ruídos
de coturnos percursionando a avenida, e logo estalou o som do tiro.
Ele correu a
favor da vítima, mas foi detido antes de tocar o corpo. O arrastaram, algemaram
e a boca havia se enchido de pó e sangue.
A conversa
seguiu estranha, e alheia a sua participação. Ao que parecia, a moça era uma
barriga de aluguel, das desonestas que vendem o produto a mais de um casal. A
criança seria um híbrido de crescimento acelerado, que já devia ter a aparência
de uns trinta e cinco anos, sem ter passado dos doze.Tal tipo de negociação era
rara, e imprevisível; encomendada principalmente por equipes científicas
criminosas disfarçadas de famílias.
Enquanto o
arrastavam e espancavam foi se percebendo como um estilhaço de realidade que
havia se fragmentado ainda em outras tantas estórias confusas, costuradas às
pressas por um mínimo de coerência. A respiração entrecortada, o corpo
entorpecido se esvaindo em sangue, então a mão esquerda se tornou garra escamosa
e tentou rasgar o oficial mais próximo.
Eles
revidaram e ele desmaiou. No fundo negro da falta de consciência rolava um
blues que não conhecia, conversas alegres e cheiro de café.
O lugar era
um laboratório. A gaiola não media mais do que um metro e meio, e aparentemente
seu nome era Salomão. Os “aventais brancos” sorriam satisfeitos.Haviam se
passado algumas semanas, e ele já não estranhava tanto sentir os cascos em
lugar de mãos e pés.A TV continuava ligada em um canal de ficção científica, e
eles disseram que foi entre um e outro
programa que ocorreram seus primeiros lampejos de consciência.Aparentemente sua
mente foi se associando, e se incorporando àqueles universos intrincados, e
fantasiosos, construindo sua própria identidade à partir dos seriados.
Eles já iam
apagando as luzes, quando ouviu o final de uma piada interna, sobre ser ético
comer a carne de um porco que se achava gente. Tentou chorar, mas aquilo não
mais o pertencia!
Anderson Dias Cardoso.
Assinar:
Postagens (Atom)