De repente estava ali; terceiro ou quarto filme
protagonizado, um talento duvidoso elogiado pela crítica, uma beleza contestável
acentuada por uma centena de milhões de dinheiros, e aquela aura
artificialmente criada pela mídia quando a mesma quer causar comoção, e conseqüentemente,
aumentar suas vendas!
Não me antipatizava com o moço, ao menos naquele momento;
mas é que as pessoas são muito criativas no que se diz a inventar formas de
lucrar, e confesso que não pude deixar de me sentir enojado quando a televisão
passou a avisar que uma clínica especializada, em particular, ofereceria o
serviço de inseminação com o material genético daquele “garanhão”. Desliguei o
aparelho e procurei nem pensar mais à respeito.
Anos depois, mantido o glamour do tal John Doe (mais por
conta do bizarro empreendimento, que por qualquer de seus méritos), as ruas se
tornaram uma vitrine estranha de crianças engenhadas para se parecerem com aquele
homem em algum nível (eram tantas!), de acordo com a pureza da fonte e o preço
pago, já que sêmen pirateado da estrela já podia ser adquirido no quiosque da
esquina!
Naquele instante inicial houve muita confusão. Mães são
criaturas muito protetoras, e sempre querem alçar seu filho ao destaque
(principalmente se este lhe custara todas suas economias), e uma aparência mais
aproximada de John era um certificado de sucesso, prosperidade, e autenticidade
genética!Algumas delas tentavam forçar o encontro da prole com o genitor, mas
sempre quem lhes respondia era o departamento jurídico, lhes afirmando que uma
cláusula lho impedia tais tipos de relacionamentos. Diziam que era homem muito
sensível, e sofreria muito com cada uma das separações que se sucederiam se
houvesse precedentes, se bem que a maioria das mães desconfiasse que era o
patrimônio que preservava!
Nasceram também alguns “mutantezinhos”. Estes sempre
carregavam algum detalhe inconfundível do pai, como os olhos de um azul pálido,
o cabelo liso e oleoso de matizes trigueiras, ou o incisivo levemente
torto.Mas, fora isso, os demais traços degringolavam numa polidactilia, lábios leporinos,
microcefalia, ciclopia, ou qualquer deformidade que certamente os excluiriam de
um convívio social natural.
Os fornecedores garantiam a procedência do produto... Bem,
pelo menos quando foram descobertos os primeiros casos!
Agora, o trágico mesmo foi quando começaram os boatos de que
John Doe havia se desentendido com seu empresário, o famosíssimo e terrivelmente
vingativo Harry Dick.
Foi-me óbvio que o “produto” lhe havia causado algumas
situações embaraçosas, e parecia não se sustentar bem nos ambientes artísticos
e políticos como antigamente; além de haverem boatos de que o dito empresário
teria um novo “afeto”, um rapazinho de dezessete anos muito talentoso o qual
lançaria na próxima oportunidade.
Um tempo depois, já fora de cena, o que se ouvia do ex-ator
era que era alcoólatra contumaz, adicto de algumas drogas de luxo, e que havia
se retirado para alguma de suas propriedades interioranas para se consumir sem
culpa, ou interrupção.
Os jornais, há umas duas semanas, noticiaram que John havia
sido pego com materiais de pedofilia em seus aparelhos eletrônicos. Algumas
mães da região começaram a procurar a TV e as autoridades para reclamar de
molestações de suas crianças.
Entre psiquiatras e psicólogos estão surgindo muitos
questionamentos se tal comportamento pode ter alguma influência genética.
Os filhos de John Doe estão sendo hostilizados pela
sociedade...
Anderson Dias Cardoso.