A miséria do local havia endoidecido alguns, e, quando da
precária feira que ainda restava aos barões locais, seu expediente era breve, seus
lucros, interessantes, e seu desperdício beiravam a extravagância!
Diante da perecibilidade dos alimentos, e as distâncias das
cidades, era inviável e tolo recarregar os veículos para reaproveitar as sobras
não vendidas; então o que se via era o despejo de produtos sobre a poeira
acumulada dos paralelepípedos!
Era logo que a tímida multidão dos necessitados serpenteava
entre a classe média, ainda consumindo, para tomar para si as melhores sobras!
Mas isso fora no princípio, antes que o pudor subisse à consciência
do povo, pelos insultos e deboches duns rapazinhos nobres que ocasionalmente
visitaram o evento à escolher frutas que lhes melhorassem a textura da cútis, e
cereais para regular os intestinos!
Hoje em dia a organização sofisticada, as roupas melhor
conservadas, e o desfile das simuladas dignidades (Aliás, este era o nome do
dinheiro circulante no meio) eram presentes na feira paralela um pouco distante
das vistas da primeira, um tempo após a mesma, feita de descartes e
interpretações!
E eis que vinham coletores, com suas barracas improvisadas
de caixotes, lona, forrados por qualquer trapo pouco remendado.
Daí, formado os corredores desalinhados de esfarrapados
feirantes os pulmões pouco treinados convenciam aos gritos, e as mão sujas
realizavam o escambo.
-Um quilo de tomates por três Dignidades!
-Olha a batatinha freguesa!Só cinco Dignidades e meia
Esperança!
-Olha a cabeça da piranha!Tá bonita pro molho freguesa!Vamos
levar que tá barato, só uma dignidade e setenta e cinco Esperanças!
E aquele amontoado de esfarrapados se movimentava entre os
comércios brigando por preços, imitando os maneirismos esnobes dos que
compraram primeiro, trocando notas desenhadas à mão...
Era um espetáculo estranho...
Era um espetáculo triste!
Anderson Dias Cardoso.