quarta-feira, 8 de junho de 2011

Nascido Produto.

Foi acordado que não seria dado um nome, mas atribuído uma marca à criança.
Era a vanguarda da publicidade!
Logo nasceu aquele pequeno produto, patrocinado desde o ventre pelo seu homônimo, tendo desde o parto às roupas e ainda a certidão de nascimento estigmatizadas pela grife, e era invejado pelo alto valor de mercado daquilo que representava!
Curiosamente a personalidade se desenvolveu segundo a proposta e a criança marca andava e se expunha nas ruas e revistas agregando espontaneidade humana ao comércio que a patrocinava e chegou a tumultuar com seu carisma todas as lojas obrigando a abertura de sucursais sazonais para suprir as demandas oportunistas.
A concorrência reagiu dando a luz à outra criança marca, e a guerra se expandiu e engoliu toda a sociedade; que resolveu-se por batizar sua prole segundo a marca de sua preferência, e novamente houve reação, desta vez inibitória, e processos relativos à direitos de marca e pouco a pouco as “nomenclaturas” foram retornando ao normal; aos Joãos e Josés.
Vez por outra as marcas se encontravam nas ruas e se olhavam com desprezo, e se mediam em seu terreno através do mercado de ações e aceitação popular; outras  crianças marcas  sofreram com as variações de popularidade e a morte de seus símbolos... Nesse caso as "etiquetas" foram substituídas por apelidos!
A adolescência veio com identidade própria e novas ideologias, e a descoberta de quase escravidão de funcionários em países subdesenvolvidos e outras imoralidades relativas à marca.
Foi vergonhoso demais para se considerar como uma logomarca humana conivente, então decidiu por se divorciar de seu nome, e assumiu uma atitude rebelde, e iconoclasta!
 Ele se drogou, roubou, matou e ao ver a deterioração de sua vida e imagem se negou a prestar esclarecimentos aos representantes de sua indústria espelho, e se deixou encontrar pelos jornais em uma sarjeta, como um maltrapilho traficante de drogas.
Ofereceu sua biografia em poucas páginas e muitas linhas de protesto!Disse se identificar com os explorados ao invés de seus patrícios, e anunciou sua luta e o nome messiânico que envergava agora, e pela força de suas expressões os repórteres julgaram ter conhecido um novo mártir de causas sem solução!
A história foi anotada, o menino marca faleceu de overdose num daqueles dias, e na publicação jornalística sua estampa não mencionou seu passado famoso e suas desilusões, e sua breve biografia omitiu a íntima relação com a famosa marca...

 Anderson Dias Cardoso.

domingo, 5 de junho de 2011

Livro dos Recordes.


Mirei minha mediocridade, feiúra e baixa estatura e notei que a fama estava longe de mim, num nicho de bizarrice bem comum nos dias atuais. Foi consultando o “Livro dos Recordes” que descobri possibilidades de me fazer notar, e dessas selecionei empolgado um feito para marcar minha existência e me empenhei de todo, e fiz com que outros se empenhassem da mesma forma!
Encerrei-me em minha casa e decidi não sair até “bater” o indiano “Nelson” em sua reclusão de 53 anos.
A família estranhou a meta, mas foi solidária ao meu sonho e me forneceu o necessário à conclusão do meu ideal, e ainda ponteou relacionamentos com fornecedores de maneira previdente, tratando da possibilidade de suas mortes como a interrupção de um sonho!
A morte realmente veio, e de 79 até 93 já havia ceifado meus pais e rompeu as relações próximas que muito me auxiliavam a acessar o “mundo exterior”; mas a Internet e celular chegaram em poucos anos e devido ao bom relacionamento estruturado pelos finados com açougueiros, padeiros e outros, me era garantida comida à porta!As contas eram pagas pela boa pensão deixada por meus pais.
Cada ano maior orgulho, e a solidão não era tão aguda quando se podia freqüentar salas de chat!
Utilizava-me dessa ferramenta, mas não comprometia minha identidade, pois temia chacotas e relacionamentos que pudessem me furtar de cumprir minha jornada.
O mundo nem me parecia um encanto, pois ao me informar nos noticiários, os males da humanidade sobrepujavam toda ordem e beleza dos poucos momentos amenos que ocupavam o resto daqueles programas. E quanto aos filmes... Eu sabia que não retratavam a realidade!
Nos momentos de ócio, entre os afazeres domésticos e outras atividades rotineiras comecei um diário onde registrava minhas memórias, e me excitava ao imaginar quantas pessoas se admirariam com minha vontade férrea e se iludiriam com histórias inventadas para preencher o vazio de acontecimentos interessantes que eram a realidade dos dias compridos e solitários de clausura.
O quadragésimo ano de reclusão foi comemorado com mesa farta, e duas cadeiras vazias. Brindei-me com muito vinho, comi “Spaghetti  à Carbonara” fingindo ser de minha mãe.Escutei os discos preferidos de meu pai e ousei uns passinhos de dança na sala acarpetada!
Senti rodar as estruturas de meu pequeno mundo, e cai sorrindo sobre a quina vítrea da mesa de centro e nem mesmo notei que a minha vida abandonava aquela casa, rompendo meu contrato com a imortalização do meu feito!
Dos meus credores o padeiro era o mais sovina, e não se conformou ao ver que eu não havia saldado minha conta antes de partir e em sua revolta resolveu desvirtuar meu feito e inventou minha loucura e a morte de meus pais por conta dessa minha ambição, e me desmereceu em outros comércios e círculos até que minha memória foi de todo vilipendiada, e eu tornado num  demônio esquizofrênico; alguém para se esquecer.
Felizmente não se costuma escrever insultos como epitáfios, então levei somente o gosto do desperdício de existência para o túmulo!

Anderson Dias Cardoso.
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