quinta-feira, 5 de julho de 2012

A Triste Ficção dos Fracos.

Um corpo saudável, e toda turbulência de vida dos sensibilíssimos inconformados com a mutabilidade agressiva das existências, e ele viveu sua agonia até insuportáveis 25 anos!
Pedia trégua aos sentimentos desfavoráveis, à melancolia, mas os horizontes se adensavam à cada enfrentamento e esforço de um sorriso; então, vencido pela desesperança, vendeu-se às soluções da medicina paralela, marginal, para provar um resto de existência ao gosto de suas expectativas.
E, ao assinar a papelada; ao se deitar para sua entrega ao entorpecimento do anestésico já sentia o alívio da saciedade de suas propostas de felicidade.
Quando acordou o universo lhe sorria em oportunidades, e as amizades recentes e antigas se acomodavam aos seus ideais, e cobriam as lacunas sentimentais que antes eram abismos.
Tudo era de contorno e coloração e reações previsivelmente amigáveis, seguras e cálidas como o abraço materno, e as noites teimavam sempre em fechar-lhe os olhos com um sorriso discreto e satisfeito nos lábios!
Teve lá seus três filhos, a esposa fiel, e a casa cheia de prazerosas e oportunas companhias; e envelhecendo, viu seus netos e bisnetos ocuparem e desarranjarem toda a harmonia da modesta casa com a agudeza de seus gritinhos, e lamento de seus choros manhosos!
Havia resolvido suas desavenças familiares com o perdão, e reconstruiu laços perdidos com todo objeto de importância e apego!
Não conhecia mais tristeza, e, se despediu de sua vida em ditosa velhice virtual, enquanto o desligavam da realidade estimulada, três horas após seu implante!
Seus órgãos foram loteados e leiloados, também virtualmente, à clínicas ilegais, para fins de operações de restauração à pacientes que desejavam viver...
Autenticamente.

Anderson Dias Cardoso.

domingo, 1 de julho de 2012

O Corvo.

Gostava de papagaios, mas não de suas interpretações, então, operava ele mesmo o aparelho fonador dos animais para que fosse impossível o ruído de suas especialidades, e os espalhava aqui, e ali, enfeitando seus ambientes com a tristeza colorida dos animais mutilados.
O dinheiro lhe assegurava imunidade aos seus procederes, e, aos animais parrudos e bem tratados ninguém ousava contestar a bondade relativa do dono.
O homem já cogitara algumas vezes em operar também a mulher; grandessíssima falante, e aos dois filhos; um casalzinho de tagarelas interrogadores que às vezes lhe furtavam o sentido em meio a situações realmente importantes!
Em uma de suas festas natalícias foi presenteado com um corvo, sob o pretexto de que uma variação de espécies só favoreceria o ambiente!
-Este já me veio operado-Assegurou o bom amigo!
-Melhor que me poupa trabalho- Agradeceu comovido o aniversariante, já comprimindo o convidado com entusiasmo!
Ao findar da comemoração o homem visitou a gaiola para se divertir com o olhar astuto da ave.
A gaiola era espaçosa à um animal acostumado, e ele se ajoelhou diante da negrura da criatura agourenta e esperou qualquer reação.
A quietude da ave o perturbou por muitos momentos, e ele se manteve observando até que os curiosos perdessem o interesse pelo contato, e abandonassem, fartos e embriagados o evento.
O pássaro então se agitou e tentou imitar algum som, mas o órgão respondia com arranhos agônicos, e bater convulsionado de asas.
-Ahasssssssssssssssssssshhhhhhhhssssssssss!Iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiuuuuuuuggggggghhhhhhhhhh!
Um passo atrás, e o animal se esforçava para imprimir seu canto, mas o bico se abria e fechava ao ritmo das articulações enquanto sustinha o olhar trespassante ao proprietário.
-Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHGGG!
Ousou, projetando o pescoço e bicando o vento.
Aumentou o tom, mas o que saiu foi o sussurro gorgolejante, e o bico se tornou frenético, e a garganta se abriu com a força de seus esforços.
-IiiiiiiiiiHHHHHHHHHHHHHGGGGGG!AAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHSSSSSSSSs!AAAAAAAH!
As asas turbilhonavam, e a garganta se engasgava com o sangue do canto, e com o último sopro a tentativa de palavras o inteligível som cinzelou na mente do homem que o pássaro expirara dizendo seu nome!
Ninguém o tentou convencer do contrário; e dizem, hoje, que coleciona miniaturas de carros antigos   

Anderson Dias Cardoso.
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