Lupércio entra na casa se benzendo, senta-se pesada e desanimadamente ao lado de uma figura bastante conhecida.
-Estou com medo de morrer - confessa sem que perguntasse o motivo de seus ânimos, batendo duas vezes em sua perna esquerda.
-Que isso, meu amigo. Você me parece muito bem! Rosto corado, corpo em dia, pra sua idade...
-Depois de morta Helena, eu venho fumando três maços e meio de cigarro, por dia - outras duas pancadinhas na perna - tenho receios de não durar muito.
-Ah! Isto é realmente preocupante - compadeceu-se o compadre. Ouvi dizer que tem uma injeção por aí, que livra as pessoas dos vicios.
-Sei lá, eu não acredito muito nessas coisas não - sacou do bolso um "pito", acendeu, deu três "tapas"; um no cigarro e dois na perna.
-Um psiquiatra? Psicólogo? Psicanalista? Hipnólogo...
-Não. Não acredito - contabilizou mais duas batida no membro
Coisa triste é ver uma alma humana tão abatida e derrotada
Uma ideia ocorreu ao anfitrião, que logo começou:
-Entendo, e sinto muito por sua perda, seu vício. Um tio meu, Osclenides, se lembra dele?
-Nem ao menos ouvi falar - Tap! Tap!
-Pois é... Ele era muito parecido contigo, até em sua fisionomia. Muito cético, desconfiava de qualquer "tratamento de homens". Quando com dor, recusava até aspirina. Por outro lado, era bastante supersticioso.
Uma vez, enculcou em contar os elementos dos seus cigarros; papel, filtro e cada fragmento de fumo daquele tubete malicioso.
Tap!Tap! - A mulher dele também faleceu?
-Sim. Só que o caso dela foi de velhice mesmo, e não de doença feia, como a da sua. Mas, me deixa terminar minha história:
Como dizia, ele separava, contava e recontava tudo. Se desse "par", a quantidade de elementos, ele voltava a enrolá-lo em uma seda nova, e fumava seu cigarrinho tranquilamente.
-E se desse ímpar? - Tap! Tap! Tap!
-Bem... Ele acreditava que morreria, pois algo parecido teria acontecido com um parente distante dele, sem qualquer motivo, depois de ele haver consumido um determinado número de cigarros.
-Nossa... Tap! Tap! Tap! Que coisa horrível! - enquanto falava, podia se notar um leve tremor na mão que segurava a bituca.
E o que aconteceu com o pobre homem? Tap! Tap! Tap!
-Morreu, de fato. Uma noite, já bem tarde, começou seu ritual para acender um "fumacento". Em sua contagem, descoriu que aquele dera número ímpar.
Como a vontade de fumar era maior que o medo de morrer, ele "queimou o fumo", e "bateu as botas".
Osclenides, depois de terminar essas palavras, se calou por uns instantes, esperando que o amigo impressionável digerisse aquela tragédia.
Depois disto, a prosa não durou nem 15 minutos.
Uma semana depois, ficou sabendo que o compadre reduziu seu consumo de cigarros a meia carteira por dia.
Desenrolava, contava e enrolava novamente, cada unidade.
Dava muito trabalho, tomava tanto tempo.
Anderson Dias Cardoso.