Esbarrou com a morte em sua meninice, e o defunto,
aparentado que era, marcou-o com a impressão do desespero tão comum aos que já
se aproximavam de sua hora; daí a criança assombrada decidiu que cresceria
temporão para escapar do inevitável!
Pediu à avó caixa e graxas, escovas e flanelas e saiu à se
inclinar sobre todo envernizado e sintético, aos quais esperava que seus donos
porventura lhe lançassem alguns dobrões!
Não sabia bem como compraria mais alguns dias então se
resumiu à acumular!
De tão eficiente em poupança, sua conta era diametralmente
oposta ao ossudo corpo que vestia a avarenta alma!
Sim!À despeito da feiura e descuido com a vida era essa
exata luta pelo existir que o consumia; mas inda assim passeava levemente por
seus dias depois de descobrir a tal criogenia!
Trabalhou mais uns anos, até que sentiu o corpo gastar-se, e
a pilha de cédulas serem contabilizadas como excedentes.
Partiu para negociar sua suspensão!
-Quanto tempo... Quanto ainda falta para descobrirem a
imortalidade?
-Tanto quanto um terço do seu investimento!
-Então eu seguirei seguro em meu sono, até despertar para
nunca mais dormir?
-Claro!Claro!E ainda lhe sobrará de seus rendimentos para
gozar de uma farta vida futura!Basta assinar sobre o pontilhado e fazer o depósito,
pois já lhe preparamos uma “Câmara Dos Sonhos”!
Assim foi feito; e os olhos se cerraram satisfeitos pelo
aguardo esperançoso do dia do ressurgimento; mas seu inquilinato só foi célebre
enquanto as notas pagavam a estadia.
E ainda nem havia sido resolvida a tal questão da vida
permanente, e já se especulava se a economia comportaria tantos eternos
consumindo uma já escassa terra!
Diante das negativas dos grandes, no secreto de seus
poderes, foi proposta para o futuro a reinvenção de castas, e sobrevida somente
aos bem nascidos; sendo que a mídia privada já resolvia por insinuar
pseudo-divindades, ou uma qualquer superioridade inerente aos interessados!
Quanto ao destino do iludido; este foi despejado de sua
hibernação assim que lhe escoou legalmente o último níquel, e este agora
repousa incógnito em alguma vala sanitária à qual os sepultantes tendiam
sobrescrever um deboche, chamando-o sorridentes de “Meia-Vida”.
Anderson Dias Cardoso.