Tendo nascido com uma leve anomalia na região do tálamo tudo
que podia apreciar dos pratos que lhe garantiam a sobrevivência eram as formas,
cores e texturas, já que não havia sabor ou mesmo qualquer memória gustativa
que lhe referenciasse os atrativos que deviam haver em bom prato de comida.
Comia também por conveniências sociais, sempre disfarçando a
insipidez do que provava com elogios coerentes retirados de percepções,
impressões e expressões dos que o acompanhavam, procurando evitar incômodos
questionamentos à respeito de sua inaptidão em perceber as sutilezas da
culinária e tempero.
No entanto, era em sua casa que as recordações dos cuidados
da mãe faziam operar a transformação!
Dela haviam memórias impregnadas de sinestesia, e quando
fechava os olhos podia sentir a quentura do amor ocupar os espaços materiais e
emocionais do micro universo a que se resumia aquele instante!
Daí retirava do banho-maria a já gasta mamadeira cheia de
alimento processado, e, ao postá-la entre os lábios o coração emulava o que a
mente achava ser sabor, e então o homem deglutia com o mais sincero sorriso
todo aquele prazer!
Anderson Dias Cardoso.