O transplante fora bem sucedido e o novo velho coração
marcava o mesmo compasso de seus dias saudáveis num outro corpo; mas,
estranhamente se sentia outro, se via outro, e de fato era outro!
-Deve ser algum compartilhamento de alma, ou coisa
assim!-Respondia aos próximos sobre sua nova personalidade e, num auge de crise
de identidade foi procurar nos registros médicos o dono do peito que abrigara
um dia tais sentimentos!
Depois de processos movidos sobre a decisão do doador de se
manter incógnito, e passados uns bons e angustiados anos de análise, lhe
entregaram a papelada com nome e endereço.
O transplantado neurótico mal podia se conter!
Saltou como achava que saltaria o seu outro eu, sorriu e
chorou a um só tempo, e passada a comoção, viajou para encontrar sua nova
família, e conferir se o que sentia deveras pertencia também ao defunto!
Tudo foi confirmado!
A parentela era tal qual pressentira, e o calor do abraço
dessa nova mãe possuía toda a ternura de quem carregou dentro de si parte dele,
pesando em afeições como se fosse um todo!
O pai lhe faltara. Disseram que havia partido de tristeza
ainda antes do provável transplante; mas ainda haviam irmãos, tios, um avô
paterno e ao menos duas sobrinhas!
Família maior que tivera enquanto era alma solteira!
Então a empatia entre ele e os outros só aumentava, e já ate
pensava e acrescentar ao seu nome o nome do finado; quando lhe chegou a carta
que pedia desculpa pelo engano da papelada...
Não era de João aquele coração que lhe pulsava!
Anderson Dias Cardoso.