sexta-feira, 1 de abril de 2011

Chocolate e Mentiras.


A mesma mentira soava na rádio, e o caminhão se quebrava em lugar idêntico!
A propaganda do desastre ensaiado vendia o chocolate vagabundo como iguaria fina; e chamava às pressas estúpidos felizardos para lhes esvaziar o baú...
Chocolates enfeitados de adjetivos! Divertida farsa!
A primeira compra foi só surpresa, negociação tranqüila e simpatia demais para motoristas acidentados.
Fregueses familiarizados os chamavam pelo nome, mandavam lembranças aos entes e se abraçavam às caixinhas de porte inferior ao anuncio.
O acesso ao doce barato desculpava a falsidade da publicidade, e nos meses seguintes ainda esperavamos pela próxima quebra do caminhão instável...
Um engano que seguia doce; aumentando os lucros de seus pais ao preço dessa banalização de mentiras...
Singelas; mas ainda mentiras.

Anderson Dias Cardoso. 

quarta-feira, 30 de março de 2011

Um Desses Dias Amargos.


O despertador fere os ouvidos enquanto o sol vandaliza os olhos e o relógio me empurra para minha rotina!
Visto roupas rotas, tomo uma refeição pobre e sigo espremido na lotação e oprimido no emprego.
A rádio não sintoniza meus gostos, as vozes me irritam todas!
E os diálogos? Realmente hoje nada me interessa!
A hora freia, minha angústia aumenta e a tarefa entregue tortura as mãos e o nervos!
Ouço um podcast e penso: Pode “Cast out”! Tento me concentrar no silêncio, mas a broca ao lado o fulmina!
O martelo acerta duas vezes o mesmo dedo, a paciência atinge seu limite, mas a legislação me impede de “matar” alguém! E zombando de mim  até os minutos recusam a finar, antes parecem se replicarem em sucessivos instantes!
No almoço, marmita fria, carne dura, verduras murchas e pouca fome!
No quilo, o tempo se apressa, o estômago pesa e o corpo amolece!
No seu fim a máquina costura rápido, a mente trabalha lenta e a obra feita quase merece o lixo!
Penso em pedir dispensa, penso nas despesas e por fim me despeço do pensamento!
Custa! O  fim do expediente, custa mas chega!
E minha alegria é  o ônibus cheio, uma programação televisiva repetitiva e os costumeiros pesadelos...
Dos quais o pior deles é o “bolso vazio”!

Anderson Dias Cardoso. 



domingo, 27 de março de 2011

Caridade Torta.

Cumprindo a parte que os cabia, propondo se ao trabalho social romântico que vez ou outra toca o coração dos homens se encaminharam às cercanias da cidade levando pasta, ataduras, anticépticos, dapsona... sua medicina para corpos semi-decompostos..
Avistaram a vila triste, a "Casa de Hansen" e o sorriso e conversa animada se obscureceram e quando adentraram na comunidade de farrapos humanos a sua saúde quase os envergonhou!Tanta podridão dorida... Terrores físicos e carências emocionais!
O marido adiantando-se rogou os que não se afastassem, e quando notaram receptividade seus passos convergiram esperançosos e alguns desses correram, mas pararam à costumeira distância.
O casal ia se apresentar, dizer de suas especialidades como hansenólogos, e as intenções de cuidá-los, mas as vozes os conduziram apressadas a uma emergência!
Num barraco úmido uma jovem mãe de mãos enfaixadas se contorcia na cama manchada de sangue e pus, e as contrações anunciavam a vinda de uma nova vida como um contraste de vida e morte.
A criança nascida, linda e perfeita foi espetáculo para uma dúzia de olhos, e esperada por outra centena fora do casebre, e sua beleza foi um breve esquecimento da feiúra da maldita doença.
Lavaram-na em água fria, ataram o umbigo, cobriram-na com uma toalha limpa que haviam trazido, e quando a criança foi entregue à mãe esta encolheu as mãos, que exibiam crostras, mas o amor brilhou em seus olhos então ela quis abraçar seu rebento; e o coração da médica doeu de ciúmes.
As mãos enfaixadas da mãe se deixaram entrever, e exibiam o aspecto um pouco repulsivo, mas eram passíveis de  recuperação, então a médica reforçou a dobra do tecido e entregou a menina à mãe, fazendo recomendações de que não lhe tocasse a pele nua.
Nesse instante a médica escorregou os dedos sobre o ventre que recusou por tanto tempo em gerar, e esses mesmos dedos secaram uma lágrima que disfarçava a inveja em ternura... Ela olhou para seu esposo, e seus olhos negociaram a farsa, e ambos trocaram a caridosa missão pelo desejo de maternidade!
Eles disseram das péssimas condições sanitárias do local, convenceram a mãe do contágio certo da criança, e omitiram que antes do maldito sentimento lhes acometer  estavam dispostos a tratá-la, deslocando-a para um lugar mais apropriado, e ainda cuidar dos daquela colônia.
A oferta de adoção foi feita, e considerando o bem da pequena tudo se resolveu com muitas lágrimas sentimentos de dor, gratidão, e contentamento!
Como sinal de muito boa vontade o casal tratou as mãos feridas, e as atou com novas faixas, esquecendo propositalmente o dapsona e outros medicamentos que reverteriam o entorpecimento nevral e tratariam os ferimentos evitando a perda de membros e órgãos. Se despediram, cumprimentados pela legião de mortos vivos pela sua bondade e ousadia diante da doença e da repulsa, e todos desejavam melhor sorte para a criança que agora escapava daquele destino.
Eles partiram e se esqueceram daquele lugar, chamaram a menina "Vitória", como tantas outras fugidas da morte e a boa criação que a deram lhes apaziguava o coração.
Anos depois o leprosário foi vendido a uma construtora para um empreendimento condominial após ser purgado; e os doentes se espalharam por toda a cidade, e em um passeio familiar a já adolescente Vitória depositou algumas moedas numa caneca de uma certa pedinte, e sua mãe, surpresa voltou alguns passos e fitou os olhos (agora cegos), e as mãos desprovidas de dedos e reconheceu a mãe de sua filha... Então a  caneca soou com mais algumas moedas atiradas pela compaixão de Vitória, e a mulher sorriu um sorriso triste de agradecimento...

Anderson Dias Cardoso.
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