Era sempre preciso acertar algo; não que fosse necessário à
maioria desapercebida, mas lhe aliviava as tensões compulsivas.
Os círculos de compasso com grafite apontado à gosto, as
meias dobradas sobre os sapatos de verniz, o posicionamento dos talheres, os
rótulos dos produtos alinhados e à mostra, o tempero correto dos pratos, os
apertos de mão com sacudidelas, timing e pressão adequados, o arranjar cuidado
das madeixas...
No trabalho, sua excentricidade se extrapolava, e se este refazia
o refeito eram vezes e milhares!
Se o resultado demorava um pouco, era certo que a perfeição
cobrava tempo!
Além das manias, se enriquecia de amizades, às quais tratava
com seu esmero patológico, das quais uma, ainda assim o surpreendeu em delito
de mentira!
Disse sentir-se deprimido na ocasião da festa; mas mandou
presente e congratulações.
Ela lhe disse que ele mesmo lha contara com sorriso que não
iria, mas isso em nada afetava amizades de longa data!
Ele se constrangeu, e o corpo dançou de vertigem...
Fugiu cambaleante para casa!
Na manhã seguinte, para reconquistar a confiança, resolveu
transformar em verdade a mentira, e preparou o corpo e mente com toda
sintomática pertinente; comprou todos os clássicos da psicanálise, marcou hora
em analista, se medicou por conta própria...
Em poucos dias já não conhecia higiene, convívio e até
responsabilidade!
Trancara-se em um desespero forjado , agora esquecido até de suas manias, menos uma...
Havia tornado perfeita a mentira, e agora ela o estava
matando!
Anderson Dias Cardoso.