A traição delatada e a ira paterna lhe presenteou com um espancamento e a amputação de uma enorme parcela da língua, e a mãe, aterrorizada esperou pelo repouso do monstro e fugiu com seu ferido para uma aldeia distante.
A criança não mais falava, e sempre se encontrava às pernas de sua mãe. Era criança agitada, triste, e por não saber como avivar aquele olhar ela pegou agulha e linha e pôs se a cozer alguns trapos e dando-lhes uma forma bem precisa, fazendo nascer um boneco bem simpático! A criança sorriu, e a mãe lhe entregou o boneco, mas o garoto tomou os instrumentos e imitando seus movimentos logo o deu um irmão.
A criança se esmerou naquela arte e superou a genitora; logo a casa quase não continha tantos bonecos, a mão construtora também os animavam em um teatro vívido, multicolorido, e de personalidades tão distintas quanto às dos humanos; e no dia em que ela o enxergou junto a estante dos brinquedos, vestindo sua mão com um dos favoritos ele se voltou com uma surpresa... A boca do boneco se moveu, e a voz do garoto soou!
Dois anos de silêncio, e ainda poucas palavras... Ele falava pelo boneco!
A mão abriu lhe a boca e encontrou a meia língua, e ela se ajoelhou o obrigando falar, mas tudo era gemido, então ela ergueu o boneco, pretendendo desvendar o truque, mas a simplicidade de tecidos e amarras era tudo! E foi acomodando o boneco à pequena mão que a voz ousou ressurgir!
Os bonecos então falavam de fantasias; cantavam e dialogavam desenvoltos, mas recusavam a emprestar a voz ao passado, ou a temas dolorosos. Eles confortavam a mulher, a faziam rir, e dessas brincadeiras nasceu um modesto teatro que alegrou aquela aldeia.
Todas as crianças se achegavam e até se acotovelavam a fim de observar a menos distância um espetáculo raro para remotas datas, e findo espetáculo se aproximavam ainda mais; admirados com tão grande talento em tão pequeno corpo! Os bonecos faziam festa!
Muitos dias de teatro e as crianças, já acostumadas com os bonecos tentaram conversa com seu manipulador, mas este; abrindo os lábios tentava, mas não deixava escapar nenhuma palavra; a mãe, comovida anunciou sua mudez e todos os olhos se cruzaram em desconfiança e a mulher reforçou abrindo a boca e mostrando a língua mutilada! Ela lhes contou a história; eles se foram murmurando...
A noite trouxe uma multidão à porta da casa, e os gritos os arrastaram para a frente do casebre e as tochas os iluminaram mais que a lua!
Clamaram: - Bruxa! Demônio!- E os apedrejaram
Naquele tempo não se conheciam histeria... Naquele tempo não Havia Freud.
Anderson Dias Cardoso.
Anderson Dias Cardoso.