Já nada sentia; e era corpo livre de qualquer estímulo físico, intelectual ou emocional.
Supria conscientemente os básicos apelos de sua existência, e se se relacionava, era para não quebrar, com sua estranheza, os paradigmas sociais.
Trabalhava simulando fadiga, sorrisos e simpatia; porém não havia fardo ou tédio e ainda, satisfação.
Havia-se rigorosamente com qualquer dívida, horário, compromisso.
Variava os tons da indumentária, não visando efeito ou vaidade; e se haviam perguntas sobre seu espírito do momento às vezes se fazia de infeliz, outras se ria com riso tão aberto que era convite à sua alegria inexistente!
Mandava flores à mãe em dias calculados, e ao pai oferecia companhia em jogos e compromissos e chorava junto à qualquer que sofresse por alguma pena!
Se não havia realização, a disciplina era o mais parecido ao contentamento que jamais provara...
E isto ainda era fagulha, ou esforço para existir!
Anderson Dias Cardoso.
quinta-feira, 19 de abril de 2012
domingo, 15 de abril de 2012
A Moda e a Conciência.
Visitou cada vitrine e, ao achar a peça que lhe agradava consultou
o preço na etiqueta e notou que haviam de ser utilizados doze peças, e então a entregaram
ponteira aguçada e a conduziram ao espaço pertinente.
-Hoje existem tantas lojas conceituais!
-Então também te encanta a possibilidade de produzir, de
acordo com sua vontade e esforço o que veste! Tens a mesma sensibilidade de
quem inventou tal tendência!
A garota excitou-se pela oportunidade!
Apressou-se e voltou pesada.
Vinte e quatro pares de longas orelhas presas à mão e, separando um à um ia
desferindo o golpe e abrindo meio sem jeito os pontos de aproveitamento pleno
com as laminas que lhe iam sendo entregues segundo as recomendações do instrutor
de artesanato.
Ambos mediram a envergadura do conjunto já meio cozido; satisfeitos
se desfizeram dos corpos descarnados em uma bandeja com um outro destino.
A manufatura corou um pouco do branco do vestido quanto ele
a deitou sobre seus ombros, mas o sangue da prova não comoveu tanto quanto ver
preparado seu protótipo de casaco e então rumou parcialmente satisfeita, ao
banheiro, de onde retornou com mãos perfumadas em água de rosas e untadas na
fineza de cremes, partindo para finalizar sua experiência.
Sobre a mesa de molde acertou os arremates, selecionou o
forro aveludado e ricos botões dourados que se acertavam bem com a brancura
lavada das lebres e terminada a empresa se convenceu de suas competências e convidou
as melhores amigas para a lhe acompanhar em seu passeio vitrine.
No restaurante as convidadas pediram o de sempre; mas ela
aderira recentemente à uma dieta verde...
Sua consciência não comportava mais crueldades que suas
pequenas aberrações!
Anderson Dias Cardoso.
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