sábado, 3 de outubro de 2015

Congelando Ideias.



Dizem que idéias são as ligações efêmeras que constroem sólidas pontes para o futuro (ao menos, eu digo). Não aquela.
A primeira vez que um pensamento, não substancializado em qualquer tipo de projeto, era capturado.  A primeira vez em que esse tipo de material, totalmente abstrato, sobreviveria ao seu próprio dono. Um pedaço da intimidade e da personalidade de alguém, guardada à posteridade!
O experimento havia sido discreto, mas agora as câmeras inundavam o saguão da universidade. Havia repórteres de todas as partes do mundo, se acomodando como possível. Ambiente abafado, estalos de copos plásticos , mistura de perfumes, suor e mal-hálito. A lâmina de silício-28 logo seria apresentada.
Finalmente chegaram. Engenheiros da computação,bioengenheiros, neurologistas, psiquiatras, físicos, lingüistas...A equipe era imensa, e seus apetrechos e explicações os seguiam de perto.
Ah!A maravilha da expectativa!Um outro avanço tecnológico que certamente transformaria a mente humana num universo mais acessível e compartilhável. Talvez depois daquele dia nós começássemos verdadeiramente a nos entender!
As luzes foram apagadas, o holograma piscou intermitente até que se fixou num facho denso e cristalino. O que teria pensado aquele garoto-teste? Muitos apostavam no amor, outros, em algo que trouxesse uma mensagem positiva para ser ecoada através dos dias, e eu não sabia o que achar!
A imagem veio sendo formada. Seu canto faiscou cores discretas, e a borda direita foi se concentrando em um tom castanho escuro. Fundo branco; um borrão avermelhado e um som característico de borbulhar surgiam da aparelhagem de som previamente escondida naquele lugar. Isso não devia estar acontecendo!
A figura estava completa, porém tremulante. Se estabilizou, e expôs todas seus espectros e formas.
-Uma garrafa de Coca-Cola? Vocês devem estar brincando!- foi o que pensou a maioria.
Havia muito tempo que o que movia o mundo não era a ciência, mas a propaganda.





Anderson Dias Cardoso.


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Quem é o Lenhador da Comunidade?



 -Deve ser exaustivo sair de casa todos os dias e cortar quase um bosque inteiro de lenha.
-É exaustivo sim, mas tenho ótimos patrões que cuidam de mim.
-Você não sente que, de alguma forma, eles te exploram?
-Senhor, seja claro comigo. Conheço minha situação, porém não sou um idiota qualquer.
-Me desculpe. É que achei que devia usar de tato. Mas, já que faz questão de ir ao ponto,  o que tem a dizer a respeito?Nossa revista se interessou profundamente por sua história!
-Tomo remédios desde os nove, mas eles não surtem os mesmos efeitos dantes. Todos os dias aparecem novas pessoas no meu quarto pedindo ajuda, ou enquanto estou no bosque... Elas não param de falar. Às vezes sinto tonturas, as paisagens parecem se desfocar e assumem um tom de sonhos.
Eu saio todos os dias, independentemente de tempo bom, e me ponho a cortar aquelas árvores. Eu sei que elas não estão lá, mas ainda assim, eu sinto a resistência de seus troncos, e o cheiro da seiva.É  tudo tão real.
-E o que o pessoal da vila diz a respeito?
-Nada. Eles conheceram bem minha mãe, que era figura muito caridosa, fez muito por esse lugar, acho que por conta disso me tratam com tanta compaixão.
-Você dizia de sua rotina...
-Eu me levanto muito cedo, antes de raiar o sol, apanho chapéu, machado imaginário e cantil, ando dois quilômetros. Existia um bosque...
Eu corto tanta lenha quanto consigo, e depois, pego da pilha e levo de porta em porta. As pessoas já não se constrangem em me ver carregando um monte de nada, que à propósito, para mim tem o peso que deveria ter, caso existisse. Eles me pagam com alimentos, ou me dão pequenas quantias. Algumas pessoas específicas, contratam meus serviços para mais de um dia na semana, com o pretexto de poderem pagar as minhas despesas com medicamentos, gás, energia, água...
-Se vocês todos sabem que isso tudo é um teatro, por que não tornam isso mais prático e menos cansativo para você?
-Todo homem que não pode contribuir com sua comunidade se sente inútil, e é isso que eles me dão. Dignidade.Nós fingimos não nos reconhecer , e no fim, ambos prestamos um serviço valioso uns aos outros, cada qual a sua maneira. Eles me pagam, pois sabem que meu suor, esforços e boa vontade, são verdadeiros. Não me contratam para um serviço real pois eu passei a vida inteira cortando lenha, isso é tudo o que sei fazer; mas o bosque não está mais ali.
-E o que você oferece, materialmente falando, a eles?
-Eu desperto o que há de melhor neles. Eu os ajudo, através da minha debilidade e a piedade deles, a se tornarem cada vez mais humanos.



Anderson Dias Cardoso.
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