-Deve ser exaustivo sair de casa todos os dias e cortar quase um bosque inteiro de lenha.
-É exaustivo sim, mas tenho ótimos patrões que cuidam de mim.
-Você não sente que, de alguma forma, eles te exploram?
-Senhor, seja claro comigo. Conheço minha situação, porém não sou um idiota qualquer.
-Me desculpe. É que achei que devia usar de tato. Mas, já que faz questão de ir ao ponto, o que tem a dizer a respeito?Nossa revista se interessou profundamente por sua história!
-Tomo remédios desde os nove, mas eles não surtem os mesmos efeitos dantes. Todos os dias aparecem novas pessoas no meu quarto pedindo ajuda, ou enquanto estou no bosque... Elas não param de falar. Às vezes sinto tonturas, as paisagens parecem se desfocar e assumem um tom de sonhos.
Eu saio todos os dias, independentemente de tempo bom, e me ponho a cortar aquelas árvores. Eu sei que elas não estão lá, mas ainda assim, eu sinto a resistência de seus troncos, e o cheiro da seiva.É tudo tão real.
-E o que o pessoal da vila diz a respeito?
-Nada. Eles conheceram bem minha mãe, que era figura muito caridosa, fez muito por esse lugar, acho que por conta disso me tratam com tanta compaixão.
-Você dizia de sua rotina...
-Eu me levanto muito cedo, antes de raiar o sol, apanho chapéu, machado imaginário e cantil, ando dois quilômetros. Existia um bosque...
Eu corto tanta lenha quanto consigo, e depois, pego da pilha e levo de porta em porta. As pessoas já não se constrangem em me ver carregando um monte de nada, que à propósito, para mim tem o peso que deveria ter, caso existisse. Eles me pagam com alimentos, ou me dão pequenas quantias. Algumas pessoas específicas, contratam meus serviços para mais de um dia na semana, com o pretexto de poderem pagar as minhas despesas com medicamentos, gás, energia, água...
-Se vocês todos sabem que isso tudo é um teatro, por que não tornam isso mais prático e menos cansativo para você?
-Todo homem que não pode contribuir com sua comunidade se sente inútil, e é isso que eles me dão. Dignidade.Nós fingimos não nos reconhecer , e no fim, ambos prestamos um serviço valioso uns aos outros, cada qual a sua maneira. Eles me pagam, pois sabem que meu suor, esforços e boa vontade, são verdadeiros. Não me contratam para um serviço real pois eu passei a vida inteira cortando lenha, isso é tudo o que sei fazer; mas o bosque não está mais ali.
-E o que você oferece, materialmente falando, a eles?
-Eu desperto o que há de melhor neles. Eu os ajudo, através da minha debilidade e a piedade deles, a se tornarem cada vez mais humanos.
Anderson Dias Cardoso.
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