quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Frágeis Existências 7°Capítulo.

A aglomeração começou a se dispersar quando foram acesas as primeiras tochas, e seus passos eram miúdos, cadenciados por outros, cansados, que seguiam à frente ou por rodas de conversas que bloqueavam as charmosas e estreitas ruas que pulverizariam a multidão pelos bairros da cidade.
Andou pelo seu caminho notando um espaçamento maior entre as lâmpadas e a formação de cantos trevosos que engoliam os passantes que se adiantavam poucas braças à frente.
Os muitos que seguiam barulhentos pela Rua Direita já haviam se reduzido à uma quantidade desconfortável e de poucas palavras e a caminhada o levara um tempo e meio adiante, à região de construções públicas; ponto esvaziado pela convocação dos sábios.
A rua se alargou à medida que se aproximava do Paço e logo se tornou um espaço aberto; uma praça cheia de sombras e monumentos antropomórficos que pareciam querer descer de seus pedestais e entabular conversa, ou mesmo, ameaçar com seu bronze os insolentes notívagos que os perturbavam-lhes o descanso.
A caminhada se tornou mais cautelosa quando se distanciou do palácio e se viu próximo ao local de execução.
Lá um madeiro se erguia numa peça única, de madeira enegrecida e entalhada por orações e recomendações às almas que haviam de se utilizar de sua altura e um pedaço resistente de corda para saldar dívidas de Estado. 
Dre forçou uma corrida curta e deixou às suas costas aquele lugar desagradável, mas ainda não se sentia tranqüilo!
A noite brincou com seu nervosismo lhe soprando um dos raros ventos gelados daquela estação, e o gemido que ele trouxe consigo o fez virar o pescoço em todas as direções, procurando o dono do grito, e o enjôo retornou ao estômago, mas ele reteve o que lhe sobrava no ventre prendendo a respiração e estacando no local um instante.
-Devia haver alguém aqui!- Sussurrou temendo ser ouvido pelos espíritos, ou algum outro de seus pavores.
O vento veio outra vez e estalou a corda da forca e o corpo de Dre respondeu ao susto com um salto, e uma corrida desesperada à cata de alguma viela.
Parou quando já não havia oxigênio suficiente nos pulmões, arfou ali um instante e se pôs a andar novamente, procurando a direção de casa, mas a rua era mais escura ainda e por vezes ele teve que tatear as paredes do espaço estreito para encontrar possíveis caminhos.
Forçou os olhos para se localizar, mas a arquitetura era totalmente estranha aos seus sentidos, à não ser pelo cheiro desagradavelmente forte de fezes, e ele conteve os pés para não pisar em alguma poça de detritos, mas logo que pensou ver alguma luz sentiu fortes mandíbulas se fecharem em sua panturrilha!
-Aaahhhhhhhhhhh!- Caiu sobre a umidade imunda da rua, enquanto outras bocas mordiam lhe o dorso, os braços e tentavam alcançar o pescoço.
A mão retornou de sua busca com uma lasca de pedra, juntou forças e golpeou-os sentindo quebrar alguns ossos e no decorrer de seus movimentos lhe respingaram gotas espessas de sangue e a boca; provou o gosto viscoso, e ouviu alguns ganidos se afastando em corrida.
-Cães vadios!!!Estou sangrando muito!- Arrastou-se, tendo pesadas as pernas pela fraqueza do estômago vazio, e perda de sangue.
Despertou em dia claro com o barulho do movimento de curiosos; se endireitou e repeliu alguns olhares indiscretos com uma atitude animosa.
Lembrou-se dos ferimentos ao primeiro movimento dolorido. As mordidas eram de porte médio, e os ferimentos estavam enegrecidos e de bordas levemente avermelhadas, então espremeu o menos agravado e este cuspiu uma grande quantidade de pus; olhou ao redor e enxergou alguns dentes quebrados e manchas de sangue.
-Eram cães famintos... Eu...Eu não os culpo pela loucura que vem se estabelecendo nestas terras...-Se ergueu, muito dolorido, e partiu se escorando em paredes até que encontrou sua direção.
Chegou sem ajuda em sua casa, três tempos e um quarto depois de seu despertar e logo acendeu uma quantidade de carvão para ferver algumas ervas e preparar um emplastro, e uma das bocas do fogão à lenha deitou uma panela com grãos, e uma parte da fressura suína que havia salgado alguns dias antes.
O calor esquentou a serpentina e, temperando a água teve um banho agradável e lavou com cuidado os rasgos supurados, se secou bem e rasgou algumas camisas limpas para preparar algumas ataduras.
O caldo de vísceras e grãos cheirou bem no casebre, mas a febre e náuseas quase o impediram de prová-lo, então atou o preparado de ervas ao corpo, sorveu uma tigela rasa do engrossado e tentou recuperar-se no duro colchão de palha.
A porta foi esmurrada fortemente por umas tantas vezes, e ele se contorceu sob os lençóis e adormeceu profundamente.

Continua...
Anderson Dias Cardoso.

domingo, 6 de novembro de 2011

O Clube.

Os que procuravam por ambientes licenciosos encontraram um lugar chamado Babilônia; em um quarteirão isolado num bairro de que diziam ser no mínimo de má fama.
Os decotes e obscenidades das cercanias importavam menos agora, aos que por ali circulavam do que se contava dos ambientes do lugar; e a imaginação seqüestrava uns tantos da realidade de cheiros, sombras, sabores quase sempre amargos e cédulas amarrotadas destas ruas, levando cada mente às divisórias espaciais daquele prédio; à um mundo onírico e individual.
Cada parede continha uma pintura de cores sonhadas, e da mobília, os traçados condiziam com o conteúdo e formas desejadas em fidelidade proporcional à vontade e imaginação do cliente.
Poucos conheciam suas salas, e a construção do interior se dava aos boatos dos especuladores, ou clientes indiscretos que confessavam sua experiência à um próximo, e este se encarregava de quebrar sua promessa espalhando a um outro fiel, até que o assunto fosse comum a toda cidade:
-Pedem um avalista, não em bens, mas em sangue para que possa se entreter em suas salas e salões, e não se importam que o mesmo desconheça que sua vida dependa do silêncio daquele que se diverte na exclusividade do lugar...
-É um mundo sem proibições ou vergonhas, pois todos compartilham o obscuro de suas almas e se apóiam na realização dos desejos alheios, pois seus próprios não seriam aceitos sem o mesmo preço...
-Caminhões descarregam peças extravagantes à todo instante, vestes, símbolos, especiarias...
Alguns disseram ver sendo carregado um corpo vez em quando; às vezes trazido por policiais, e a fumaça densa das chaminés parecem soprar um cheiro de carne queimada às narinas, mas a diferença entre a quantidade de pessoas que entram e saem faz imaginar que os ternos manchados e amarrotados dos que disfarçam sua saída daqueles pátios e entrada nos carros luxuosos carrega mais culpa do que uma banal necrofagia...
-Disseram haver sacerdotes e clérigos de todas as religiões abençoando seus crimes, ou lhes remindo os pecados para que ainda que contaminados pelas transgressões alcancem um futuro no Paraíso, Campos Elíseos, Valhala ou qualquer lugar de descanso, por um bom preço, é claro...
-Não... Não é um lugar para ricos, todas alma podem oferecer alguma coisa; inclusive à si mesma...
-Sim... Lá o tempo passa ao seu gosto, e todos os sentidos se multiplicam e todo desejo é satisfeito...
-Alguns chamam luz, outros, escuridão, outros preferem chamar apenas luxúria, mas à maioria é um lugar a ser sentido, não nomeado...
-Muitos dizem que a cada associado se acrescenta um centímetro à construção, (que disseram ser orgânica!), e que sua expansão hipnotiza e absorve os circundantes com seu magnetismo e mistério, acredita se que a estrutura viva  logo cobrirá todo planeta, e conquistará toda alma que, viverá o dia escravizado pelo trabalho, e suas noites, pelos seus desejos...
-Já me ofereceram um convite, não tive coragem de visitá-la!

Andeson Dias Cardoso.
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