Após findarem exitosamente a engenharia do homem sintético
levaram à cabo a execução esmerada de um corpo externo tão semelhante aos
demais que já não podiam dizer que não vivia!
Implantaram memórias de abandono de uma família inexistente,
traumas e abusos e o libertaram para ser discreto experimento social nas ruas
de alguma metrópole e esmolar por sobrevivência.
A aparelhagem contava com reguladores térmicos, simuladores
de processos orgânicos internos, efeitos circulatórios, reparação de tecidos;
além de reproduzirem fielmente pequenos distúrbios e somatizações que garantiam
veracidade ao tempo que não provocassem mal estar suficiente para a necessidade
de cuidados médicos.
Os receptores visuais
repassavam a triste rotina, do errante ao Laboratório Comportamental, vez por
outra embaciados pelas frustrações, carências e angústias.
O mecanismo de interpretação de fome e seus processos reagiam
sempre tristemente às sobras vencidas que freqüentemente lho ofertavam.
O corpo, de aparentes quarenta anos, sofria comichões pela
imundícia que lhe cobria os poros, mas quando se refrescava em qualquer
torneira exposta, se agasalhava nos mesmos mau-cheirosos trapos dantes.
Foi acoitado por calmaria e frio.
Encontrou amigos para repartir o pão.
Viveu um único amor, (ainda que houvesse se enamorado por
tantas belezas passantes), e o sentimento o levou a acreditar que era sua a
criança que a mulher levava no ventre.
Sofreu, quando a mulher se perdeu nas drogas, e mesmo quando
lhe disse e reafirmou o seu amor, em delírios aquela alma negou o conhecer.
Em sua tragédia a mulher, ainda que em outras dimensões de
consciência, lhe impediu o acesso ao filho, para depois o abandonar à morte por
inanição enquanto aspirava a deliciosa marica.
O homem se desgostou de sua condição, de suas perdas, de sua
meia humanidade (ainda que não a soubesse nem possuir tal metade!) e se deixou
vagar vencido sem qualquer relação até que o peito acusou a dor!
Era sintoma de bateria falida; e o corpo do Adão tecnológico
foi encontrado no descaso de uma rua lamacenta da periferia.
Foi enterrado como indigente numa vala comum, e seus olhos
ainda transmitiam imagens enquanto a terra cobria-lhe a carcaça.
Alguns engenheiros choraram seus sentimentos, à despeito do
sucesso da empreitada...
Anderson Dias Cardoso.