...Bom,
na verdade no sétimo dia Deus formou o "baiano", o constituindo como
a coroa de sua criação, e, contemplando a interação de casais entre as
animálias notou que Dorival Caymmi estava sozinho, porém, ele mesmo nada percebeu!
Abriu os olhos, espreguiçou-se, e fechou os novamente voltando a vegetar.
Então
Deus extraiu lhe uma costela; a qual foi notada a falta muito tempo depois,
mais ou menos quando já contavam 732 primaveras!
E Ele lhe
formou uma mulher que lhe correspondesse; desde aspectos fisiológicos quanto
intelectuais, e o próprio Deus lhe deu um nome:
Adelaide!-pois
seu adjuntor ainda ressonava sobre a relva muito verde.
Deus
estava começando a achar aquilo muito chato, e, ao contrário das sentenças
anteriores -"Viu que tudo o que criara era muito bom"-pensou:
"É,
dessa vez não deu!”. E meio contrariado colocou o casal de pé, espremeu uma
pequena nuvem carregada sobre suas cabeças para tentar lhes despertar os ânimos;
e lhes plantou um belo jardim para lhes inspirar, ainda, oferecer comida, e
outros recursos necessários, e os incumbiu de cultivá-lo e expandir; porém
Dorival reclamou da altura das árvores frutíferas!
Achava
cansativo ter que erguer tanto os braços para apanhar alguma coisa para comer;
mas Deus se fez de surdo, e continuou a lhes explicar suas funções como
zeladores do Éden.
Dorival
seria uma espécie de gerente executivo, e sua esposa o auxiliaria.
Dorival
criticou mais algumas vezes a respeito do tamanho daquele jardim. Na sua
opinião uma só árvore frutífera, que fagocitasse todos seus detritos, que
tivesse uma boa
sombra, e
um riozinho correndo manso ao lado já lhes bastavam. Não carecia todo aquele
trabalho só por eles, ou melhor, não carecia todo aquele trabalho só para eles,
e se "Ele" prestasse um pouquinho mais de atenção, logisticamente
falando, notaria que as zonas que requeriam mais cuidado ficavam muito
espaçadas umas das outras!!!
Então
Deus começou a se despedir, dizendo que ia dar uma checada na distância entre o
sol e a terra, pois toda aquela preguiça só podia ser culpa do clima, e afastou
se por algum tempo enquanto Dorival escolhia uma árvore frondosa para se
esticar-Aquela conversa toda o deixara exausto!E passando a ouvir o gorjear
alegre dos passarinhos, os sons das águas, os barulhos do mundo, e nesse ritmo
começou a vocalizar algumas
palavras.
Encantou-se de como aqueles aglomerados sonoros se completavam harmonicamente,
e faziam tudo soar tão bonito. Era uma canção que falava das belezas do
paraíso!
Seu
coração se inundou de satisfação, pois havia descoberto que este exercício o
agradava muito, e que ainda podia o executar deitado!
Eufórico
e maravilhado Dorival a repetiu algumas vezes, muito corretamente, e outras
não!Algumas palavras começaram a se tornar obscuras, lhe fugindo da mente. Ele fez
beicinho, e pensou se poderia arranjar algum jeito de registrá-la!
Primeiramente
notou bem como sua alma processava e guardava as informações. Era dito uma
palavra, lhe vinha uma imagem à mente, então, se ele criasse algo
correspondente àquela figura, na forma de um signo reconhecível, ficaria tudo
fácil.Ele sorriu consigo de sua astúcia!
Só necessitava
de uma pedra afiada; e eis que bem ao lado havia uma!
O homem
esticou o braço e tentou apanhá-la, porém estava um pouco além de sua envergadura.
Percebeu que nunca a alcançaria, e franziu o cenho novamente.
Assim se
perdeu a primeira composição do primeiro homem...
Aquilo
não devia acontecer de novo; e Dorival cogitou como
poderia
resolver aquela situação dramática com o mínimo dispêndio de
energia!
Pensou,
pensou, tirou um cochilo, pensou de novo e se deu satisfeito pela solução que
lhe caiu no entendimento. Então gritou por sua esposa, mas esta demorou alguns
minutos. Ele bronqueou um pouco, e, depois de resolvida a situação, gentilmente
pediu que lhe apanhasse aquela pedra!A tão desejada pedra!
Ela
raciocinou uns instantes, sua face ruborizou um tanto e ela começou a gritar
que não era empregada, que cuidava sozinha do jardim e que ele ficava ali deitado
o dia inteiro sem fazer nada. Disse que a responsabilidade tinha sido dada aos
dois, e aproveitou para colocar os "pingos nos is" .
E esta
foi uma proto-discussão de relação; onde foram acertados os papeis de cada um
deles, numa divisão mais ou menos justa das funções, e Dorival saiu deveras
nervoso para tomar conta da parte que lhe cabia, e aparar alguns galhos da
árvore do conhecimento do bem e do mal.
A árvore
realmente era muito bela; achou que não precisava de nenhum retoque!Não
suportava aquela mania de perfeição da mulher!
Não havia
nada há fazer ali; então, resolveu tirar uma pestana para não dar por perdido
toda aquela caminhada. Se recostou e cochilou por alguns minutos, mas aquela
voz o fez sobressaltar
Este
pensou-"lascou, me descobriram!!!"- Mas, olhando direito notou aquela
forma esguia e longilínea que escorria graciosamente pelo tronco da árvore,
então reconheceu a serpente.
-Bela
árvore, não acha?-Disse a serpente admirada!
-Sim
muito bonita... Acho que é uma das coisas mais bonitas que alguma vez vi, e
olha que nem precisei aparar... -disse Dorival meio envergonhado.
-Você já
provou do seu fruto?É também o mais delicioso!Deus não lhe
disse que
provasse de todas as árvores?
-Pra
falar a verdade ele disse que se comêssemos ia dar morte!
-Nada
disso bobinho, Ele diz isso, pois sabe que no dia que vocês comerem do fruto
dessa árvore seus olhos se abrirão e vocês serão como Deus, conhecedores do bem
e do mal!!!
-Olha, na
realidade eu prefiro meus olhos fechados mesmo, o meu maior prazer é dormir; e
quanto a ser como Deus; esse ponto é o menos atrativo ainda!Ele trabalha
demais!
A
serpente “torceu o bico”, deu mais algumas voltas no tronco daquela árvore,
suas feições se enterneceram novamente e ela disse:
-Se você
comer essa fruta não vai mais ter que trabalhar!!!
-É mais
ou menos como se você tivesse pedindo demissão, e sem aviso prévio!E, na pior
das hipóteses a morte é o descanso eterno!!!
Dorival
se animou e comeu logo umas cinco, e levou uma para sua esposa; mas o tiro saiu
pela culatra!
Deus ao voltar os encontrou escondidos de vergonha.
Ao os inquirir descobriu a desobediência do homem; e o condenou a ganhar seu
sustento com o suor de seu rosto, sujeito à todas as vicissitudes de uma vida
independente da vontade soberana.
E à
mulher, Deus permitiu um paradoxo entre a vontade de subjugar seu marido, e uma
certa subserviência. Uma dependência afetiva, além de o parto lhe ser dolorido
à partir daquele momento.
É claro
que Dorival se sentiu o mais injustiçado!Ter que trabalhar tanto antes do
descanso da morte era muito desagradável.
Após alguns
anos tiveram três filhos. Dori, Danilo, e Nana; e desenvolveram um sistema
revolucionário de coleta e grãos e armazenamento para os invernos rigorosos.
Era uma espécie de rodízio em que a cada ano um coletava os alimentos e os
outros quatro descansavam.
Pode até
parecer meio sacrificante, mas dava a possibilidade de ficar à toa por quatro
anos inteiros!
No ano de
799 a partir da criação do homem, vez da coleta de Dorival, este alegou uma
indisposição crônica; que passou subitamente no fim do período laboral, e todos
notaram a artimanha do patriarca e se indispuseram contra ele.
Orgulhosos
que eram não coletaram mais cereais...
No ano
seguinte foi extinta a raça humana...
Deus
havia criado toda uma estrutura para servir de suporte à vida do homem; o havia
amado, e achou um desperdício ter que desmontar toda aquela armação cósmica, e,
como seu citado amor era demais abundante, precisou extravasar!
Resolveu
recriar o mundo, e o povoar novamente, assim como um novo casal.
Mas dessa
vez no sexto dia!
Seus
nomes foram Adão; e sua mulher Eva...
Anderson Dias Cardoso.