-O que paga é muito pouco para terras tão vastas, Dalu!- A voz de Joped beirava a agressão.
-Não haverão colheitas neles neste ano, no mais, pouco posso extrair de suas terras uma vez que são pobres em madeira, e muitas terras tem sido abandonadas e prontas a serem empossada por quem queira! Lendas realmente são muito poderosas!
-Você blefa para me pagar o quinto do valor merecido!
-Ainda me afronta como se fosse um aproveitador?-Encurvou-se sobre a pequenez do camponês murcho da idade.
-Des...Per-dão!É que o que me oferece não me compra nada, nem um lote de terra...
-Ofereço muito justamente o sustento de sua viagem; e ainda acho um preço arriscado diante de um possível esvaziamento de Barin, assim como Gathar e as ouras quatro cidades!
-Preciso de mais, minha filha está doente...
-Raízes e ervas são gratuitas e mais confiáveis que fórmulas de boticários. Tome lá suas oitenta peças e se apresse, caso queira mesmo partir hoje. - A voz raivosa foi um argumento forte à um homenzinho conhecedor da virulência do comprador e a sacola de moedas foi entregue com setenta e cinco peças.
Dalu partiu sorrindo às escondidas para negociar outras terras.
A noite chegou quente e as carroças receberam os últimos nós. Da mobília gasta somente levaram colchões de palha, uma cadeira de madeira de lei além de panelas de pedra copos de madeira e as facas com que comiam.
Naíiba havia sido deitada próxima ao pote d’agua, os dois cães miúdos se encontravam aos seus pés.
-Molhe-a a boca de quando em quando, e umedeça novamente a toalha logo que notar a febre retornando.
-Ela fala dormindo mamãe!
-O espírito dela tenta deixar o corpo, cuide bem de sua irmãzinha.
-Eu tenho medo, ela disse que os vermes a roem o estômago, não os quero ver!Não quero que ela morra!
-Ande mulher- gritou choroso Jopeb- ou quer que o maldoso Dalu nos humilhe além do que tem feito nos lançando de nossa própria terra?
As pernas gordas e cheias de varizes desceram dificultosamente o degrau, ela desatou o laço dos cabelos grisalhos e secou os olhos escuros.
-Ela vai morrer!-Abraçou com suas forças Jopeb.
-Talvez todos morramos...
-Os vizinhos e a moribunda partiram à duas horas- foi um comentário à mesa na casa de Ohik.
-Logo seremos somente nós e o maldito Dalu! Ele se aproveitou dos boatos de que ratos devoraram algumas crianças e velhos ainda em suas camas, da seca e contos de fadas para explorar outros pobres- Disse o pai.
-Tivesse posses ajuntaria aquelas terras à estas pela pechincha paga por Dalu!-Disse a mãe.
-Nossos campos não parecem fortes como em outros tempos, talvez esta seca e incêndios nos sejam sinais- Disse a fraca voz da avó num esforço de ser ouvida.
-A velha gemeu algo- Disse a filha.
-Vocês a sentam junto às fofoqueiras da vizinhança e ela se encontra meio amalucada como estas! Por favor, dêem-lhe agulha e linha ao invés destes passeios alucinógenos!Disse o pai.
-Amanhã outros dois grupos escavarão canaletas de irrigação nas áreas mais críticas e logo estaremos a colher melões e figos graúdos e todas estas besteiras que estão sendo ditas serão esquecidas!
-Não me importo se toda a terra se secar, mas meu corpo não para por conta de tantas picadas!Disse a mãe.
-Os campos estão lotados de esterco, por que não usa um pouco esta sua cabeça e faz alguma coisa de útil!-Disse o pai.
-Pode deixar que trago amanhã um pouco de esterco para queimar e lhes aliviar o couro- A voz estranha à conversa soou risonha e todos se viraram para ver quem chegava.
-Tio Quion!- A adolescente foi a mais rápida em seus cumprimentos, e ele retribuiu à esta e aos demais e logo convidou o amigo para a degustação de um licor de uma fruta exótica que havia conservado por alguns anos.
-Meu estômago ainda está ulcerado, mas adoraria um passeio por estes campos mortos!
Andaram oito minutos silenciosos.
-As águas dos quatro rios parecem diminuir!
-Estão desviando os cursos para curarem os campos queimados- Ohik não pôde conter sua insatisfação por conversas de ignorantes.
-Olemb mediu o volume escoado por todos braços puxados dos rios e me pareceu bem assustado.
-São apenas ciclos.
-Os animais tem se aproximado muito das cidades, não mantemos celeiros e todos estes movimentos climáticos não prenunciam coisas boas... Ohik, vou me mudar!
-Pegou a mesma febre de filha de Jopeb!Só Pode estar louco!
-Quero que compre minhas terras!
-Só disponho de umas poucas cabras, e não deixarei que aja como um imbecil! Se persistir nesta loucura terá que entregar seu patrimônio por um punhado de cobre à Dalu.
-As cinco cidades estão desertas, e suas desgraças estão nos batendo às portas! Bantil é a mais próxima cidade, e é muito distante à quem não tem o que comer...
-Não necessitaremos partir!Estas terras ainda retêm sua força, e logo as nuvens nos refrescarão o calor, nos preparará o solo e encherá nossos rios!- Ohik forçou um otimismo tão exagerado que aumentou as preocupações de Quion, e se seguiram uns outros muitos minutos mudos.
A carroça rangia pesada de carga. Haviam se despedido com uma mentira de que haviam herdado terras melhores em uma outra cidade, mas a verdade escapava dos olhos tristes e das conversas espalhadas e que diziam ter entregado a propriedade por covardia em troca de uma mão cheia de cobre.
As tábuas rangiam principalmente nas bacadas, e a febre da menina queimava e fazia delirar e foram necessárias mãe e irmã para segurar o corpo quando começou à convulsionar.
Cital não quis chamar seu marido e a segurou até que o resto de vida deixou-lhe o tabernáculo.
O choro foi curto, e desceram o corpo numa cova rasa e a cobriram pedras e folhas secas enquanto pirilampos e outros brilhos ajudavam na iluminação das estrelas.
-Papai! Aqueles pirilampos brilham diferentes!
-Não são pirilampos minha filha, são lobos!
Anderson Dias Cardoso.