Franzino, oculozinho de aro torto querendo despencar do nariz,
escondendo uns olhinhos remelentos de um azul morto, cabelo ralo cor de palha e
exalando um cheiro de falta de higiene; roupas amarrotadas, amarelecidas pelo
tempo e manchadas de café... Não!Definitivamente não gostava daquela figurinha
a qual haviam contratado, e nem me esforçaria para qualquer contato além dos
requeridos pela profissão. Mas meus colegas de lida não pensavam assim.
Os encontrava sorridentes pelos corredores; gargalhantes às
vezes, mas, curiosamente não havia escutado o som de minha antipatia!
Conversei com um ou outro; tentava arrancar alguma opinião
negativa a respeito do desafeto, discretamente, e às vezes fazia insinuações sobre
fatos os quais deduzia, sobre suspeitas que tinha do rapaz, mas eles foram se
afastando!
Eu estava enfurecido; e um pouco além disto, já que
continuava sem escutar a voz do mancebo!
Comentei com a moça do café, fiz algumas perguntas, e esta
me assegurou que era pessoa de bem!Perguntei por que falava tão pouco, e ela
respondeu que o rapaz era convidado em toda roda de conversa; que sabia muito,
e era todo educação!
Curioso, me acheguei à uma reuniãozinha destas de fim de
expediente. Escolhi sentar-me no lugar mais próximo a ele, e escutei.
Todos falavam, opinavam, discutiam; e eu fixava a bocarra de
lábios finos esperando a primeira palavra.
Ele, notando com certo desconforto a minha presença,
resolveu se por se distrair tomando partido do cara da contabilidade.
Falou uns bons minutos, e se riu de alguma coisa que
dissera, sendo acompanhado por todos os outros... Mas eu não havia percebido
sua voz!
Esforcei-me em me concentrar; beliscava-me sob a mesa toda vez
que dizia algo, mas, aparentemente, todas outras vozes se lhe sobrepunham. Tomei
iniciativa e propus uma pergunta escandalosa, e ele moveu os lábios em
resposta.Todos riram.
Eu nunca fui um bom leitor de lábios...
Dia seguinte trabalhava com dificuldade e estava angustiado
tentando imaginar o que havia acontecido naquele embaraçoso episódio. Perguntei
novamente à mulher do café sobre a voz do garoto, e ela disse que era normal,
bonita.Perguntou por que não me aproximava dele, e eu só respondi que preferia
não fazê-lo.
O encontrei próximo à minha sala, e, meio envergonhado
tentei o cumprimentar. Ele só me balbuciou vento.Eu o agarrei pelo colarinho
amarrotado, mas logo surgiram uns intrometidos a nos apartar!
-Ele está zombando de mim, desde que entrou aqui!
-Sai fora maluco!Acho que vou ter que falar com o patrão pra
te advertir, ou te mandar embora!Respeita o cara, ele na te fez nada!
-Ele tirou uma com minha cara ontem!
-Ele nem tava falando contigo!Cê pirou de vez mesmo cara!
As pessoas o defendiam, e notei que ele murmurava alguma
coisa à direita e à esquerda, e eles assentiam, diziam que era verdade, que era
assim a maneira correta de se agir em situações como aquela!
Todos estavam zombando de mim!Querendo me fazer passar por
maluco; pedir demissão... Sei lá!
Tomei o elevador com o pretexto de apanhar uma pasta com
protocolos que devia apresentar na reunião de amanhã. As pessoas se perfumavam
muito por ali, e aquela musiquinha irritante, as conversas, o ambiente de
confinamento...Segurei o vômito.
A porta se abriu, eu empurrei um ou dois, e eles praguejaram
alguma coisa. Vomitei no canto de uma pilastra, apanhei algo embaixo do banco
do carro, e quando me dei por mim já estava em pé, empunhando o 32, gritando
para que ele falasse!
Haviam muitas pessoas ao derredor, e elas também gritavam
muito!Eu precisava insistir!Mandei que se calassem, e eles se limitaram a
sussurrar recomendações e preces.
-Fala!- E o homenzinho àquela altura já estava ajoelhado,
com os olhos embaciados, gesticulando muito e dizendo mais ainda... Mas eu
continuava nada escutando!
-Fala!-E ele foi se arrastando em direção aos meus pés,
movimentando freneticamente os lábios torcidos de agonia, mas eu o chutei para
longe!
-Faaaaaaaaaaaaala!-E eu gritava no mesmo instante que ele
também o fazia, e a arma disparou sem que eu percebesse!
Todos estavam ali, abraçados, mudos e perplexos.
Também não pude ouvir quando as viaturas vieram me buscar.
Anderson Dias Cardoso.