Acomodamo-nos próximos à porta; em lugar fresco, tentávamos adiantar o tempo para a aula em conversas comida e bebida.
O coreto em frente, a rua ao lado e a própria lanchonete eram vivos como um dia de sábado e eu notava um pouco de tudo e ainda me fixava nas banalidades ditas.
A barriga cheia e tempo ainda sobrando tendíamos em rematá-lo naqueles bancos duros, em silêncio, notando os fluxos e gestos do mundo ao redor.
Um garoto imundo rompeu nossa monotonia cruzando o portal; caixa de madeira enganchada no ombro esquerdo, levava seus petrechos e misérias ainda com porte digno.
-Moço, tenho fome... Pode me pagar um salgado?
-Claro, sirva-se!-A fome era coisa que me incomodava como uma afronta da indiferença, e eu observei o jovem se aproximar do balcão e pedir um pão de queijo.
Chocou-me sua humildade ao ver pegar o mais barato alimento da estufa, e eu me vi dizendo que pegasse um cachorro quente, ou o que lhe apetecesse, pois meu dinheiro era muito curto, mas bastava para lhe melhorar o paladar.
Ele pegou humilde um cachorro-quente, agradeceu com um sorriso e desceu os três degraus para a rua, foi quando se achegou um outro faminto e ele dividiu ao meio o que havia ganhado e ambos se foram.
A surpresa daquela misericórdia me prendeu ao banco, e de lá não me movi até que o garoto se desfizesse no emaranhado humano.
Queria ter ofertado um pouco mais deste meu pouco, mas a bondade alheia às vezes choca, escandaliza, paralisa...
Anderson Dias Cardoso.