quinta-feira, 23 de junho de 2011

A Sociedade Do Farol.


As paisagens humanas continuam comuns em todos faróis; o movimento de ambulantes, panfleteiros e malabaristas como bailarinos que se esbarram desajeitados em corpos veículos e produtos.
Pedintes são categoria à parte.
Estes vendem suas misérias, ou qualquer farsa, num teatro itinerante e talentoso; ou realidade tão escandalosa que nos acomoda às nossas misérias menores, e nos eleva com uma bondade que nos custa umas poucas moedas.
A certa distância um artista já maduro risca o cenário com malabares encardidos, e o espetáculo coagido pelas luzes do farol termina em uns poucos movimentos nem tão impressionantes e ele se apressa à sua coleta.
As mãos, rasas de moedas se enfiam no bolso e ele se prepara à margem esperando outro intervalo para um novo espetáculo; assim como outros comerciantes que ajeitam os doces e bugigangas em seus tabuleiros.
Em meio à característicos estereótipos, um se movimenta em destaque, com seu sorriso desconfortante e um enrolado de jornais e fita crepe.
A garota obesa e de pernas finas, seios muito volumosos e cabelos tosquiados à recente moda masculina... Roupas infantis em corpo imenso e a garota desfilava seu desleixo e seu sorriso louco nos lábios, enfrentando aquele mercado de miséria com a alegria da falta de razão.
Seus concorrentes se riam da criatura enquanto vendiam e se apresentavam, mas ela não notava o ridículo de sua performance e então lançava o seu único malabar artesanal, e o vendo viajar à tão pouca altura, tentava o segurar com uma única mão! 
O esforço tinha êxito à muito custo, mas nem sempre; e o enrolado caia sobre o velcro do tênis surrado que calçava.
Sem constrangimento ela se abaixava e com a mesma alegria continuava o ato, fazendo girar a peça tosca mais umas três vezes no ar, e rumava satisfeita à sua platéia!
Seus colegas de ofícios escondem o riso dos lábios, mas o deboche transparece no olhar. Também interromperam suas vendas para assistir a humilhação da garota louca, e ela se aproxima decidida e sua humilde simpatia faz baixar quase todos vidros elétricos!
O objeto que atirava agora estava guardado sob a axila esquerda, e as mãos retinham com ajuda da camiseta sua pequena fortuna; e despedindo-se do último carro foi descansar num banco sombreado por uma mangueira.
Contou as moedas e notas, e, muito empolgada disse consigo mesma:
-Falta pouco pra comprar a aliança!

 Anderson Dias Cardoso.

domingo, 19 de junho de 2011

A Prisão Branca.

Acordou de um sono farto em um chão macio num ambiente iluminado por luz branquíssima.
A surpresa preguiçosa o levou perceber-se em um claustro, e este se levantou como num sonho buscando no mínimo por uma saída; não encontrando  experimentou a espessura das paredes e as notou macias, porém aparentemente intransponíveis.
Totalmente desperto e irritado pôs se a procurar câmeras, microfones e esbravejou exigindo sua retirada daquela situação vexatória; mas nem som, nem movimento!
Seriam seus colegas do escritório com seus chistes jocosos, sua esposa, ou algum inimigo não declarado?
Continuou em seus esforços por mal calculadas duas horas.
Silêncio e calma.
A mente aquietou-se e recostado em um canto começou a notar o cubículo, com sua luz alva não ofuscante que era irradiada de todas as direções, sem, contudo destacar sua fonte. Provavelmente uma nova tecnologia.
A roupa branca que não vestia antes se fundia à diminuta paisagem e causava sensações angustiosas, e exausto de se debater contra um ambiente que nada dizia se rendeu novamente a um sono pesado, no chão nu.
A vigília monótona e os sonhos brancos começaram então a se tornar rotina.
O tempo passou a ser incontável, e as lembranças passaram a ser um difícil recurso, e era necessário distrações para não enlouquecer naquele cubo branco, então cantava as canções que conhecia. Não eram muitas e a voz cacofônica o irritava em demasia.
Mediu o recinto em palmos e acreditou ter 3X3.
Exercitou-se andando por aquele espaço, e realizando séries que manteriam sua disposição, saúde, e postura.
Notou que não havia fome.
O “receptáculo” hermético impressionantemente fazia da respiração coisa dispensável.
Sem dia ou noite, ou qualquer estimulo sensorial, e diminuída suas angústias já não se lembrava de que havia sido contador.
Haviam esposa e filhos?
 Os olhos piscavam em cadência cada vez mais espaçada, e a pele gradativamente foi se alvejando, até que não podia ser discernido em meio à brancura.
Vez enquando o coração pulsava, e todo o quarto vibrava...
Já não havia distinção...

 Anderson Dias Cardoso.
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