Gostava de papagaios, mas não de suas interpretações, então,
operava ele mesmo o aparelho fonador dos animais para que fosse impossível o
ruído de suas especialidades, e os espalhava aqui, e ali, enfeitando seus
ambientes com a tristeza colorida dos animais mutilados.
O dinheiro lhe assegurava imunidade aos seus procederes, e,
aos animais parrudos e bem tratados ninguém ousava contestar a bondade relativa
do dono.
O homem já cogitara algumas vezes em operar também a mulher;
grandessíssima falante, e aos dois filhos; um casalzinho de tagarelas
interrogadores que às vezes lhe furtavam o sentido em meio a situações
realmente importantes!
Em uma de suas festas natalícias foi presenteado com um
corvo, sob o pretexto de que uma variação de espécies só favoreceria o
ambiente!
-Este já me veio operado-Assegurou o bom amigo!
-Melhor que me poupa trabalho- Agradeceu comovido o
aniversariante, já comprimindo o convidado com entusiasmo!
Ao findar da comemoração o homem visitou a gaiola para se
divertir com o olhar astuto da ave.
A gaiola era espaçosa à um animal acostumado, e ele se
ajoelhou diante da negrura da criatura agourenta e esperou qualquer reação.
A quietude da ave o perturbou por muitos momentos, e ele se
manteve observando até que os curiosos perdessem o interesse pelo contato, e
abandonassem, fartos e embriagados o evento.
O pássaro então se agitou e tentou imitar algum som, mas o
órgão respondia com arranhos agônicos, e bater convulsionado de asas.
-Ahasssssssssssssssssssshhhhhhhhssssssssss!Iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiuuuuuuuggggggghhhhhhhhhh!
Um passo atrás, e o animal se esforçava para imprimir seu
canto, mas o bico se abria e fechava ao ritmo das articulações enquanto sustinha
o olhar trespassante ao proprietário.
-Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHGGG!
Ousou, projetando o pescoço e bicando o vento.
Aumentou o tom, mas o que saiu foi o sussurro gorgolejante,
e o bico se tornou frenético, e a garganta se abriu com a força de seus
esforços.
-IiiiiiiiiiHHHHHHHHHHHHHGGGGGG!AAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHSSSSSSSSs!AAAAAAAH!
As asas turbilhonavam, e a garganta se engasgava com o
sangue do canto, e com o último sopro a tentativa de palavras o inteligível som
cinzelou na mente do homem que o pássaro expirara dizendo seu nome!
Ninguém o tentou convencer do contrário; e dizem, hoje, que
coleciona miniaturas de carros antigos
Anderson Dias Cardoso.
4 comentários:
O conto intrigante me instiga a dor que deve sentir os pássaros que cantam de tristeza http://www.youtube.com/watch?v=g2nbs-wPNmA
Boa semana...
Ainda que o mutilador teve arrancada a trave do olho que lhe impedia de ver a dor que causava, enquanto que na realidade, há muitos "mutiladores de vozes" que dificilmente se regeneram. Gostei muito!
Núss, que agonia senti, e pensar que isso de fato acontece!
Texto impressionante! Como sempre, fora de série!
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