Primeiro a vizinhança ficou sabendo da demissão do morador
da casa 173, e logo após alguns dias já era percebida a diminuição da
freqüência do infeliz em qualquer estabelecimento.
Era homem direito, sistemático por criação, e quando os
encontros de renegociação com os credores deram indícios de que um emprego não
surgiria tão cedo, apesar dos esforços, logo passou a andar cabisbaixo,
oprimido pela vergonha!
Não demorou, abandonou qualquer contato exterior.
Havia um filho, de idade de relativa responsabilidade, e
este foi escalado para intermediar os acessos aos mantimentos e contatos
indispensáveis.
Saia com freqüência pouco maior do que a do pai, e dos
lugares imprescindíveis, a padaria era visitada diariamente.
Sentia saudades da fartura de outras épocas, e ao invés das
quitandas de massas leves, o leite tipo A e o pudim que sempre reluzia seu
amarelo densamente saboroso; pedia ele um pão único para a fome tripla.
De início o padeiro não se perturbou, porém, quando se
afinaram um pouco os braços e amareleceu a tez do rapaz o coração do homem o
lembrou de sua caridade:
-Toma estes pães para teu pai, tua mãe e para aliviar tua
fome!
-Perdão senhor, mas nossa pobreza não o diz respeito; e ao
aceitar esmola envergonharia ainda mais meu velho diante dos vizinhos!
-Digo-te que nada direi à outra pessoa!Minha boa vontade não
espera aplausos!
-Talvez mesmo meu pai se encabule em agradecer-te tamanha
generosidade, e se negue em entrar novamente em seu negócio!
-Deixe que faça como quiser!Já foi afligido demais pela suas
próprias misérias!Toma estes, e amanhã volta cá que lhe darei dois pães por
cabeça!
-És o último dos generosos, senhor padeiro!
-E tu, és um filho digno de orgulho por defender os brios de
seu genitor!
O garoto sorriu, e partiu pelo caminho mais demorado.
Quando chegou não mencionou a conversa, culpou as amizades
pelo atraso, e dividiu um único pão com seus raquíticos pais.
Assim, persistiu a trapaça até o dia de um novo emprego...
Anderson Dias Cardoso.
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