Era menina de muitos artifícios e alegria exagerada, se
divertindo dos jogos inventados.
Torcia-se pelos espaços de árvores, cantava canções de
ninguém, e às vezes conversava com o vento, enquanto andava desacompanhada dos
maturos.
Em verdade, era paupérrima e suas solas já foram sofridas
por atritarem e se equilibrarem com os cascalhos do quintal e ruas.
Suas cores eram, o verde dos olhos paternos, o negro dos
fios maternos e o vermelho respingado das sardas do irmão, e nestas ela os
reconhecia em qualquer lugar ou objeto e deixava os lábios produzirem o gostoso
sorriso.
Quase nunca ganhava presentes, e, por este talvez, as
ocasiões se ampliassem em significado extrapolando a inquietude da alma
pequena, e condensando as emoções em lágrimas.
Ganhara, na colhida de outra primavera um bambolê por cada,
marcados e representados por suas cores, e pôs se à dançar com os anéis sob os
olhares embaciados de quem podia dar tão pouco.
Seu dia passou com a celeridade comum dos dias vulgares,
porém a emoção não foi rompida pelas sucessões, e ela ainda se divertia sozinha
com as argolas viajando na cintura magra, e quadril ossudo; até que veio a
ameaça interior:
-Cada cor um ente, o movimento demanda vida!
Sozinha, pelo abandono involuntário em prol do sustento, ela
se contorceu, sentindo pesar a diversão.
Houveram câimbras, suor e fraquejar de pernas; e ela
segurava pendurada em seus quadris a vida da família.
Não gritou, pois lhe ocorreu que outro corpo nada tinha à
ver com a imposição da voz de sua loucura.
Três horas, e num falsear de movimento tomba o vermelho, e
ela se convulsiona em um choro soluçado, ainda que mantendo toscamente a
harmonia do traçado para as outras peças.
-Foi acidente!Perdoa-me irmão!
Cinco e quinze, o negro escorrega mesmo com a intromissão
dos joelhos cansados, e o desespero quase fez morrer as vontades!
A mãe se fora por sua falta de jeito!
Oito e dois, e já não havia com que se sustentar, o desmaio
havia roubado seu último apego; e foi assim seu sofrimento, vivendo a mortandade
até o retorno de seus amados!
Anderson Dias Cardoso.
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