domingo, 24 de abril de 2011

Ritual de Passagem.


Havia cumprido alguns rituais de passagem e agora os pés descalços procuravam ser silenciosos enquanto a presa parecia próxima, ainda que escondida pela mata densa.
As técnicas de rastreio eram muito eficientes e o sol das quatro mostrava os possíveis caminhos sombreados seguidos pelo animal, e os sulcos desenhavam o espécime em características e peso. Já haviam se passado dois dias de perseguição e expectativa, a carne não importava, mas era necessária a demonstração de virilidade que tão valioso troféu conferia.
Na perseguição chegou a um rio estreito onde as pegadas findavam; abaixou, sorveu um pouco de água e seguiu atravessando a corrente quase morta, e sentiu um leve cansaço e ardor nas extremidades que eram agora povoadas de grandes calos.
Não se lamentou, antes, sentiu um leve orgulho!
A trilha bem marcada permitia alguns instantes para se alimentar, e na procura por larvas embaixo nos troncos decompostos nada encontrou, mas notou um ninho no alto de uma árvore quando um raio de sol lhe feriu os olhos. Subiu, tanto pelos alimento quanto pela vista; um ponto de localização.
Eram ovos de tucano, e foram engolidos com certa pena, e na copa espessa do jatobá  se fixou em descobrir o animal.
Desceu eufórico tomando os apetrechos que se escoravam no tronco possante e correu esquecido dos pés torturados. Folhas roçavam seu corpo, galhos feriam e úmido de suor diminuiu seu ritmo com a proximidade do animal!
O coração tamborilava no peito eufórico, o ar faltava pelo esforço da corrida e ele se ocultou atrás de um arbusto, e vislumbrou pela primeira vez sua caça: Um veado campeiro de pelagem castanha detalhada de branco.
Preparou o arco, selecionou a seta mais aguçada, e na mira alcançou os olhos despreocupados e doces da criatura, e o impulso num repente o abandonou!
 A dignidade e beleza do bicho o confundiram, deixando nascer um afeto!
O título de caçador pareceu coisa egoísta, até insignificante; e ainda pesou a troca da vida pelo sabor, e ele quis deixar viver  não só esse, mas todas as criaturas de sangue rubro, decidido a não mais caçar, não mais devorar vidas, e ao se virar, abandonando respeitosamente o novo liberto foi meditando a respeito das maravilhas daquela fauna...
Na surpresa uma  onça o abateu, se regalou com aquele corpo piedoso...
E ele salvou aquele veado pela segunda vez!

Anderson Dias Cardoso.

Um comentário:

Jaqueline disse...

Incrível. rs
Eu não encontraria palavras melhores... *Seguindo

...
Veja meu post, aqui mando um conto, se gostar, posso contar com o seu "seguir"? =)

Obrigada!
http://asphyxiaa7x.blogspot.com/2011/04/sinestesia.html

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...