Ouvira falar de D. Marlene, mulher viúva, velha, pobre e
quase cega e que havia gerado em seus derradeiros períodos uma garota sem
qualquer dos membros, ainda que com saúde invejável. Dizia-se que nunca
conhecera sequer um resfriado.
Os jornais se escandalizaram quando descobriram que a
criatura alugava, com o consentimento da moça, a barriga da filha aleijada a
pessoas ricas vindas da capital. Oitocentos e cinqüenta reais durante os meses
da gestação, além de cesta básica e os cuidados médicos necessários à mãe e a
criança, tudo descrito em contrato, com cláusulas redigidas num vernáculo
difícil do qual nada compreendia. O dinheiro era pouco, em vista de suas
carências, mas ninguém a contrataria diante de suas limitações, ou da dependência
eterna da filha. O dinheiro que pingava dava pra não morrer de fome até a
próxima barrigada.
Estima-se que Eugênia já houvesse parido uma meia dúzia de
crianças; todas saudáveis e perfeitas.
O noticiário, naqueles dias, informou que alguns vizinhos revoltosos
apedrejaram seu barraco, e a polícia chegava naquele instante.
Não se sabe se para levar D. Marlene, ou para conter o
tumultuo.
Anderson Dias Cardoso.
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