sábado, 10 de maio de 2014

Auto Sabotagem.


Andava triste, muitos haviam notado. Visitava constantemente suas farmácias prediletas, evitava todo contado desnecessário, e até fora internado em algumas circunstâncias com marcas estranhas pelo corpo.
Diziam que havia sido ameaçado por telefone, várias vezes, por uma voz que dizia parecer conhecida, de madrugada, mas eu acredito que o término do casamento por conta daquela ocasional traição, e a mudança da esposa e filhos para outra cidade havia mexido com sua cabeça. Ele sempre negou abertamente, e procurou participar de toda festança disponível, mas reclamava de sintomas de sonambulismo e inapetência, além de adicionar outro maço de cigarros à sua rotina.Nunca fora de beber;  experimentou desta vez, mas o gosto continuava não lhe apetecendo.
Parece que o processo de ameaças havia se intensificado na última semana. Achei que o havia visto em uma casa de camping, e pensei que seria interessante para ele refrescar a cabeça no “mato”, mas parece que não era bem isso que ele pretendia...Se soubesse teria tentado conversar com o cara!Armas em casa costumam ser uma coisa perigosa!Mas ele andava tão estranho!
Vi outro dia ele conversando com alguém. Parecia nervoso, e repetia que tinha que se defender; a outra pessoa sugeriu que chamasse a polícia, mas ele virou as costas e o ignorou.
Eu até queria me aproximar, mas achei melhor não... Ele podia estar metido em alguma treta, e acabar sobrando pra mim também.
As luzes da sua casa agora costumavam se acender e apagar em horários bem esquisitos!Vizinhos curiosos sempre notam qualquer variação de comportamento, e sofrem daquele comichão de espalhar seu conhecimento a quem estiver disposto a ouvir, mas, curiosamente em casos de morte parece haver uma espécie de amnésia e cegueira coletiva!Sempre se encontra um cadáver depois de tantos dias, pelo incômodo do cheiro, geralmente anunciado por uma criança de pais desfavorecidos!Tudo tão conveniente!
Encontraram a casa desarrumada, suja, e com comida instantânea estragada distribuída nos mais diversos lugares!O corpo exangue, o sofá tinto de vermelho e o celular deitado ao lado.
Achei meio sinistra essa história, mas os caras viram o policia, que era conhecido da galera, dizer que a voz do perturbado no celular era a mesma do finado, distorcida por algum efeito de computador.Se entendi bem, ele deixava suas ameaças na secretária enquanto dormia, as ouvia de manhã...
Mundinho de malucos!Os kamikazes de antigamente eram muito mais bacanas!




Anderson Dias Cardoso.

domingo, 4 de maio de 2014

Sinestesia.


Não me lembro bem como se deu na primeira vez, mas tenho a impressão que a letra “b” em minha infância, tinha gosto açucarado, ainda que todas as outras letras fossem insossas!Então a leitura costumava a acompanhar uma mastigação, movimento lingual, e muitas escovações. Minha mãe achava estranho, cogitou me levar a um neurologista, mas logo que percebi que minha estranheza poderia resultar em médico me tornei mais discreto!
Certo dia o perfume almiscarado de minha irmã mais velha me causou comichões nas palmas, cabeça e costas, mas não ouve nenhuma manifestação cutânea, nem mesmo vermelhidão. Um dermatologista amigo, numa consulta não oficial duvidou que fosse alergia, e, quando a garota trocou de fragrância, o sentido agora era de que estava sendo envelopado em gigantescos chumaços de algodão!
Pouco depois os sons passaram a me proporcionar alucinações geométricas, mas isto foi só no princípio do efeito, já que umas semanas depois, após um leve colapso nervoso, tudo se intensificou, se mesclou e modificou, não havendo mais nenhuma barreira para todos recursos sinestésicos!
As pessoas às vezes me eram contornos de puro psicodelismo fluorescente, ora eram ondas de calor e frio se alternando em meu corpo em arrepios e sudorese, e às vezes exalavam uma mistura floral, de acordo com o número da multidão, que me reviravam as entranhas...
O tato me levava por um caminho de sabores aleatórios, muitos dos tais inimagináveis, não poucos, desagradáveis!Ficaria surpreso se te dissesse que já toquei uma estrela?Sim, e ela me queimou a ponta dos dedos, sem ferir a carne!Também, com o tempo, aprendi a executar a nona de Beethoven nas texturas da cortiça, alumínio e água!Era em tons pastel, mas bastante interessante!
O paladar era dos sentidos mais curiosos! Biscoitos tinham gosto de paisagens campestres, e chocolate quente era ao corpo como um delicado banho de orvalho pela manhã!Passei a evitar macarronadas, pois estas me faziam evocar sentimentos abstratos, como amor, vazio e solidão!
Engraçadamente os cheiros, de canela, lavanda e açafrão me causavam riso; o de bacon frito faziam surgir no horizonte dos meus olhos um exército de homens palitos marchando em uniformes de escoteiro, e o suor me causavam cegueira psicológica!
Não gostava de ajuntamentos!Eles me sobrecarregavam os sentidos!



Anderson Dias Cardoso.

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