quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Os Homens Retalho.

A psicologia tecnológica paralela, marginal, já oferecia soluções interessantes para doenças emocionais e incapacidades sociais; no entanto, os exoprocessamentos das memórias por inteligência artificial pura ainda eram muito dispendiosos, e os algoritmos de apaziguamento interior, tão comuns neste mercado ofereciam contra indicações, e efeitos colaterais atraente somente aos totalmente desesperançados.
No entanto, haviam os “HOMENS RETALHO”, e as pequenas e obscuras companhias de transferência interpessoal de produtos mentais insalubres que, após o devido registro de acordo de serviço, e um pagamento prévio pelos mesmos, se prestavam a decantar e reprocessar, através de seus “profissionais”, os pontos de vista do contratante num sistema de filtragem, e reinterpretação emocional-sentimental.
Havia a garantia de sigilo em cada transação, e os momentos chave, as impressões negativas, e todas características do processo passavam por um codificador de identidade, e, segundo as compatibilidades os dados eram introjetados num “Retalho” pertinente, onde eram depurados de seus conceitos danosos e seguidamente preenchidos por características de auto-estima, indiferença, frieza.
O sentimento maturava até se tornar parte convincente do receptor (o que se realizava através do uso de psicotrópicos, privações, sugestões, emulações induzidas, etc. Todas suportadas pela empresa), e, quando já não havia distinção entre o "doente" e a mente contratada a mágica da panacéia de todas dores sentimentais ,que se dissipavam no corpo alugado!
Mais um cliente os deixava, cabeça rarefeita de alegria e conta bancária agressivamente saqueada:
“-Aos que vivem o pior de sua vida deve-se pagar muito bem!”- Eram quase as letras miúdas sob as quais firmou o contrato; e ele tinha noção, que a vida útil de quem era legião era muito curta...
Deveriam acrescentar ao documento:
“-Bons manicômios não são baratos!"


Anderson Dias Cardoso.

domingo, 29 de julho de 2012

A Invenção Do Homo Patheticus.

Nos limites da vaidade toda plástica exterior, com suas harmonias forçadas ao extremo por intervenções cirúrgicas não foram suficientes às ânsias do espetáculo pessoal, tornando se assim os aperfeiçoamentos da beleza sócio-comercial radicalizados por toda sorte de visionários de uma nova engenharia estética!
 Foi quando geneticistas intervieram com mesclagens cromossômicas e evoluíram artificialmente a espécie para um ser parte translúcido, ao qual nomearam como Homo-Pellucidum, do qual a moda se incumbiu de adornar, rearranjar ao sabor da criatividade!
Inventaram cores para os movimentados fluídos corpóreos com corantes artificiais, alegrando a vulgaridade do sangue, saliva, compostos gástricos, e até mesmo as fezes com tons dourados, extravagantes violáceos, azuis da Prússia, ou qualquer cor que pudesse ser imaginada, e assim, sintetizada!
Engenheiros anatômicos se encarregavam em rearranjar os espaços dos interiores corporais, deslocando um pâncreas, dilatando um pouco os pulmões para diminuir as distancias entre os intestinos, eliminando, ou adicionando veias e artérias para equilibrar os ambientes internos, muito freqüentemente, de acordo com feng shui!
Além dos esforços para a correção das deficiências estéticas hereditárias ou congênitas estes profissionais se juntavam, ocasionalmente, à especialistas ortopedistas, oncologistas, dermatologistas, dentre outros; para minimizar, disfarçar, ou ao menos alegrar qualquer mazela cosmética que pudesse afetar a elegância do contratado!
Então, ossos eram esculpidos, suavizados, ou extraídos, tumores eram camuflados, tingidos, ou modelados; órgãos atrofiados, apêndices, ou peças orgânicas em condições visivelmente deterioradas eram recompostos, holograficamente melhorados, e, às vezes, recebiam iluminação em neon!
Nunca antes, as enfermidades possuíram tanta sofisticação!
Neurologistas e engenheiros eletrônicos instalavam diodos, placas de silício, displays, que exibiam as transcrições dos movimentos do pensamento; em crânios de carbono, acrílico e platina!
Com tanta exposição de si mesmo haviam associações entre disciplinas como psicologia, ioga, e até mesmo implante de aparelhagens de simulação de estados físico-mentais; para que, toda beleza do corpo pudesse ser vista, sem que se pudessem ser compreendidas as complexidades e segredos do espírito, que teimavam em se revelar através de suas taquicardias, irrigações sanguíneas abundantes, e dificuldades pulmonares!
As ruas então eram sempre iluminadas por criatura de pele de vidro; corpos que, por vezes, carregavam efeitos visuais, e até mesmo propagandas...
Era a personalização absoluta do ser; de acordo com os mais exigentes padrões do mercado!


Anderson Dias Cardoso.
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