domingo, 17 de agosto de 2014

Os Filhos de John Doe.


De repente estava ali; terceiro ou quarto filme protagonizado, um talento duvidoso elogiado pela crítica, uma beleza contestável acentuada por uma centena de milhões de dinheiros, e aquela aura artificialmente criada pela mídia quando a mesma quer causar comoção, e conseqüentemente, aumentar suas vendas!
Não me antipatizava com o moço, ao menos naquele momento; mas é que as pessoas são muito criativas no que se diz a inventar formas de lucrar, e confesso que não pude deixar de me sentir enojado quando a televisão passou a avisar que uma clínica especializada, em particular, ofereceria o serviço de inseminação com o material genético daquele “garanhão”. Desliguei o aparelho e procurei nem pensar mais à respeito.
Anos depois, mantido o glamour do tal John Doe (mais por conta do bizarro empreendimento, que por qualquer de seus méritos), as ruas se tornaram uma vitrine estranha de crianças engenhadas para se parecerem com aquele homem em algum nível (eram tantas!), de acordo com a pureza da fonte e o preço pago, já que sêmen pirateado da estrela já podia ser adquirido no quiosque da esquina!
Naquele instante inicial houve muita confusão. Mães são criaturas muito protetoras, e sempre querem alçar seu filho ao destaque (principalmente se este lhe custara todas suas economias), e uma aparência mais aproximada de John era um certificado de sucesso, prosperidade, e autenticidade genética!Algumas delas tentavam forçar o encontro da prole com o genitor, mas sempre quem lhes respondia era o departamento jurídico, lhes afirmando que uma cláusula lho impedia tais tipos de relacionamentos. Diziam que era homem muito sensível, e sofreria muito com cada uma das separações que se sucederiam se houvesse precedentes, se bem que a maioria das mães desconfiasse que era o patrimônio que preservava!
Nasceram também alguns “mutantezinhos”. Estes sempre carregavam algum detalhe inconfundível do pai, como os olhos de um azul pálido, o cabelo liso e oleoso de matizes trigueiras, ou o incisivo levemente torto.Mas, fora isso, os demais traços degringolavam numa polidactilia, lábios leporinos, microcefalia, ciclopia, ou qualquer deformidade que certamente os excluiriam de um convívio social natural.
Os fornecedores garantiam a procedência do produto... Bem, pelo menos quando foram descobertos os primeiros casos!
Agora, o trágico mesmo foi quando começaram os boatos de que John Doe havia se desentendido com seu empresário, o famosíssimo e terrivelmente vingativo Harry Dick.
Foi-me óbvio que o “produto” lhe havia causado algumas situações embaraçosas, e parecia não se sustentar bem nos ambientes artísticos e políticos como antigamente; além de haverem boatos de que o dito empresário teria um novo “afeto”, um rapazinho de dezessete anos muito talentoso o qual lançaria na próxima oportunidade.
Um tempo depois, já fora de cena, o que se ouvia do ex-ator era que era alcoólatra contumaz, adicto de algumas drogas de luxo, e que havia se retirado para alguma de suas propriedades interioranas para se consumir sem culpa, ou interrupção.
Os jornais, há umas duas semanas, noticiaram que John havia sido pego com materiais de pedofilia em seus aparelhos eletrônicos. Algumas mães da região começaram a procurar a TV e as autoridades para reclamar de molestações de suas crianças.
Entre psiquiatras e psicólogos estão surgindo muitos questionamentos se tal comportamento pode ter alguma influência genética.
Os filhos de John Doe estão sendo hostilizados pela sociedade...  





Anderson Dias Cardoso.
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