quinta-feira, 14 de julho de 2011

Um Outro Adão.

Depois de tanto tempo as mãos habilidosas acariciaram o barro, e de uma porção formaram outro corpo e o Espírito soprou novamente em suas narinas uma alma.
Cobriu-lhe o corpo de vestes, e lhe deu pudor e lhe contextualizou quanto a geração em que havia sido criado, doando lhe um lar, uma oportunidade de emprego e conhecimentos pertinentes , e o instituiu arauto do Evangelho.
Sem a influência do pecado a relação entre Criador e criatura era sem intermediários ou simbologias e o próprio Deus o visitava e lhe falava ao pé da cama antes da chegada do sono, e sua voz e amor eram bálsamo aos confrontos e ferimentos de um  quotidiano profano.
Inserido na realidade das almas decaídas pregava o Evangelho de Cristo, e tentava provar a realidade espiritual como realidade absoluta; e Deus como a origem de toda  substância e espírito, mas ele pregou sem algum convertido, e por todos meios as palavras soavam loucura aos ouvidos pagãos.
A insistência o levou ao ostracismo, e obcecado pelos relacionamentos  perdidos por causa de sua obediência desprezou à Deus em suas visitas. E o novo filho, ressentido se afastou e no desespero de sua condição solitária se deu conta das vantagens de sua filiação.
Afirmou-se como descendente direto de Deus, e como prova ridícula mostrava o ventre sem orifício umbilical, mas seu argumento foi recebido por comentários desagradáveis.
Em uma tentativa mais convincente juntou suas economias e provou por exames cromossômicos que sua raiz genética  diferia de todas as outras, e entre especulações e euforia se proclamou como filho direto do Todo Poderoso!
Foi alvo de massíva   publicidade, e considerado salvador da humanidade como um espécime puro,de cadeia genética sem vícios, e se doou para pesquisas de doenças sem resoluções médicas, e através dele foram desenvolvidas vacinas e tratamentos eficazes.
E ele enriqueceu, e se envaideceu e sua origem nada mais lho dizia, a não ser na ostentação de sua nobreza celestial.
Ele era o segundo filho de Deus, e objeto de culto!
Deus se entristeceu com a cria que lhe virava as costas, e o vendo ser consumido pela vaidade que se tornou em queda, também viu as conseqüências do seu pecado sendo distribuídas e absorvidas por outras existências que se utilizaram daquele homem como amuleto de condução à cura ou ao paraíso.
O caráter singular do novo homem, despido da proteção da obediência foi vetor  e campo, para novas maldições,males, e doenças, e a multidão, fazendo –se de inocentes reclamava castigo maior àquele arauto de todas desgraças, e cogitando a remissão de todas as culpas através do holocausto queimaram-no em “fogo santo” nas vizinhanças arborizadas da “Nova Babilônia”.
O Senhor escondeu o rosto do sacrifício, e a multidão, sem ídolo algum para apalpar logo se esqueceu de Deus.


Anderson Dias Cardoso.

domingo, 10 de julho de 2011

Ovelhas e Lobos.

Ofereceu as mãos em solidariedade, porém ela as negou, e os olhos de maquiagem destruída por lágrimas eram hostis ao que lhe fazia o bem.
-Quem disse que quero ajuda?
-Você chorava.
-Minhas lágrimas dizem respeito a mim somente.
-Desabafar geralmente ajuda.
-A simpatia masculina à qualquer dor significa uma única coisa: Sexo.
-Aceite minha mão assim com aceito seus insultos, sem análises ou esperanças.
E ela, desaforada que era levantou-se por si e se adiantou, o deixando vários passos atrás.
-Espere!
-Me deixe que sou bicho sozinho e sei lidar com meus ferimentos.
-E eu sou moço direito e se quiser apresento referência!-O sorriso deixou escapar um pouco de cinismo, e a tensão só fez aumentar.
-Não acredito em bondade humana... Principalmente a de desconhecidos. Se não notou meu corpo é magro, meus cabelos são ressecados e essa maquiagem desfeita esconde olheiras quase tão negras quanto a pintura que se desfaz...
-Se se vê assim tão sem atrativos por que temer as investidas que acredita que lhe dou. Aceite ao menos um café amargo e me deixe desfazer estas suas impressões...
-Realmente não acredito na sinceridade de sua atenção.
-Então aceite somente o café e meu silêncio.
Sentindo-se incomodada com a perseguição do “benfeitor” resolveu parar em um Café qualquer, e sentando-se logo pediu sua xícara de café, forte e doce. Ele observou, e cumpriu o trato se mantendo em silêncio.
-Você é apenas mais um lobo... dos tantos que se fazem de ovelhas.
Os olhos continuavam fixos, e os lábios cerrados, a atitude apaziguadora a desconcertava.
-Minha confiança não é tão barata que se compra com um aspecto sereno e uma xícara de café.
Um sorriso de canto de boca, e ela não resistiu e baixou os olhos para a xícara já consumada.
-A minha mãe traiu meu pai... ele nos abandonou e chegamos à passar fome...
O homem meneou de leve a cabeça, sem se distrair da história e logo com uma olhadela fez com que viesse outra xícara. Ela deu um gole curto.
-Fui entregue à uma senhora, para que me cuidasse em troca de meus serviços, tive que trabalhar ainda muito nova, aos nove, e minha rotina era muito dura- A maquiagem agora se desfazia quase que por completo, e os olhos dele se enterneceram.
-Fui espancada por serviços “mal feitos”, e no dia em que resolvi revidar fui posta na rua.
Era uma criança na rua... No frio.
Os lábios do homem se comprimiram, e notava sua glote se movimentando em uma deglutição difícil, quase dolorosa.
-Fiz parte de grupos... E como disse, o sexo era o pagamento para os cuidados que me ofertavam...
A primeira lágrima se desprendeu dos olhos do ouvinte, ele a limpou timidamente.
-Então não me tente convencer da bondade dos homens, pois da minha história você não sabe um décimo... E nela, os “personagens” não passam de lobos; enganadores! Eu odeio todos! Eu odeio você e essa sua bondade dissimulada!!!
Enquanto ela gritava ele agarrou seus pulsos, e a puxou para seu abraço. Ela não resistiu; era apenas uma garota ressentida.
-Não quero nada de você, só vi sua tristeza e ela me doeu o coração. Além do abraço a acariciou com um beijo terno no topo da cabeça.
-Você é um anjo?
-Não... Sou apenas uma pessoa tentando ser gentil!
-Preciso ir... Eu me sinto melhor.
-Provarei que minhas intenções eram boas ao não perguntar nada ao seu respeito, ou itinerário.
-Assim fica provado que estava enganada... Não são todos lobos.
-Não. - E se despediram naquele mesmo abraço. E ela dobrou a esquina, e encolhida no casaco grosso esquentou as mãos nos bolsos. Três quadras dali e ela retirou a carteira de couro do bolso, conferiu a grande quantidade de notas, e logo os documentos e enquanto ele, notando a falta, perguntava a si mesmo, ela respondia:
-Nem todos são lobos Lúcio, alguns são ovelhas!

Anderson Dias Cardoso.
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