sábado, 13 de abril de 2013

A Cobiça.


Era mascate recém chegado na cidadezinha; caminhando com seus pacientes passinhos e voz rouca e pausada, oferecendo um mundo de novidades através da estreiteza de suas ruas não planejadas.
Logo que uma curiosa comprou, fofocou satisfeita à outra, e, mesmo desconfiados, um à um, os citadinos se disporam a adquirir alguma das mercadorias, das quais todos diziam ser muito em conta!
Na considerável fila para a aquisição, às costas dos compradores o que se via era a rápida escolha, uma diminuta e discreta conversa entre quem comprava e vendia, e um partir satisfeito do primeiro, abraçado ao seu embrulho de tamanho variável.
-Foi o melhor negócio da minha vida- diziam os entusiasmados!
-Ele nos vende por preço simbólico, só com a condição de que as peças desapareceriam assim que deixássemos de nos interessar!
E assim eles compravam, e compravam; até tornar o carrinho de tração humana em pequena lojinha; em loja de fachada respeitável; e até dizimar toda concorrência local, a tornando uma construção monstro, adornada de vitrines sedutoras, iluminação com cores convidativas e propaganda apelativa para quem se dispusesse a adquirir o luxo por uns poucos dobrões!
E o contrato oral, ao qual aceitaram em suas compras se cumpria com velocidade vertiginosa devido à compulsão consumista, e o interesse insaciável pelo novo; e tudo desaparecia misteriosamente dos seus lugares assim que eram esquecidas e trocadas por outro recente desejo!
Sempre havia atualizações interessantes à serem adquiridas, ou modinhas totalmente novas que deviam ser desfiladas sob olhares ressentidos por não terem sido os primeiros à possuir...
Aos falidos lojistas o que restou foi migrar para o comércio alimentício, e de serviços, mas logo que já não havia meio de se expandir, a grande loja cobiçou, e tomou cada oportunidade de emprego possível; contratando por salários descentes aos quais ofereciam seus serviços...
Mas nunca houve lugar para tantos empregados, e um movimento de restantes miseráveis revoltosos tratou vandalizar a empresa usurpadora, e dar uma lição no estrangeiro.
Mas quando os encapotados venceram o rigoroso inverno e chegaram com seus porretes e tochas para vindicar sua economia, a loja era um esqueleto risonho de deboche.
E a sensação de vazio e insatisfação e perda foi ainda maior no peito!
Aquela cidade não sobreviveria muitos dias...


Anderson Dias Cardoso.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Por Ventura a Morte Também Fosse Um Sopro...



A criança foi sacada do útero sob olhares, no mínimo, curiosos!
De ponta à cabeça a diminuta criatura parecia ter seu corpo volatilizando, em umas nuvenzinhas ininterruptas.
No começo conseguiu despertar curiosidade, mas logo era figura quase comum nos campinhos de futebol, escola, reuniões sindicais, sempre tendo sua paisagem imediata distorcida pelas emanações gasosas que discretamente despendia.
Como era alma livre, negou qualquer dinheiro para que permitisse o experimentar.
E assim prosseguiu estranhamente exalando seu espírito por todos os dias de sua longa existência!
Nunca envelheceu, mas, se dissipando aos poucos já era figura intangível, não podendo tocar, ou receber toque...
O seu fim veio depois de tantos dias, e não houve a decomposição ou vermes, mas foi levado por uma suave brisa, sob olhares interessados em sua estranheza, em uma sombra desvanescente um comovido último sorriso!



Anderson Dias Cardoso.

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