quinta-feira, 26 de maio de 2011

O Peixe e a Ecologista.


Gostava de culturas alternativas, das quais a que mais a interessou foi a ecologia.
Cultivava uma pequena horta, reciclava, participava de passeatas e plantio de árvores, e na perfeição de sua militância só havia um pecado: Um peixe beta, ganhado como um presente bizarro de aniversário!
Conservou-o inicialmente como um objeto profano, mas a beleza da coloração e as barbatanas hipertrofiadas logo fizeram esquecer a proibição de conservar cativa uma vida, e o pet se tornou sua extravagância predileta!
A praticidade do peixe a permitia uma mobilidade incrível, e ela passou a levá-lo por onde quer que fosse em um aquário elegante, redondo, e com uma tampa atarraxável.
Essa curiosa criatura asiática dispõe de um sistema respiratório, que envolve tanto respiração branquial quanto labiríntica sendo possível a conservação do mesmo em ambientes herméticos, dos quais um era o já citado aquário que costumava ser transportado em uma colorida bolsa térmica bordada com temas naturais.
Todos se interessavam em ver, e o globo aquoso exibia a dança de véus que se estendiam calmos e despretensiosos.Era muito bonito de se ver!
Num dos dias quentes ela escondeu o peixe sob a sombra dos vidros escuros de seu carro e rumou para o “Evento Verde” em uma conhecida cidade do Amazonas, e partiu feliz, se guiando por mapas e informações de beira de estrada.
Muito tempo de viagem e um posto havia ficado a uns 200 km de alguma cidadezinha sem marcação de placas, e a estrada sinuosa e de fortes aclives venceu o automóvel, e o calor a ejetou de dentro dele.
De início esperou pacientemente por ajuda, tentou o celular, mas a região era estéril de linhas. A via morta não ofereceu nem rugido de motores distantes, então preferiu procurar pela resolução numa caminhada dolorida para tão despreparado corpo!
O recipiente redondo, junto à bolsa pesou e os pés se encheram de bolhas e ela descansou na quentura do asfalto os dois objetos, e retirou o peixe para observá-lo e trocar o ar do aquário. Encerrou o cuidadosamente  na bolsa e resolveu se por  seguir adiante, intimidada pelo caminho cheio de altos por onde havia passado.
Não achou cidade ou sombra!
Sentiu algumas vertigens e sede e pensou em beber a água do peixe, mas sentiu que isso trairia suas convicções então resistiu e andou mais um pouco.
Renovou de novo o ar e ofereceu formigas ao peixe, e sentiu seus lábios rachados sangrarem e a garganta se estreitar de sede, e andou.
Andou...Andou.....Andou.........Andou.................Andou..............................Andou e tombou depois de dia e meio de caminhada, se negando a água do peixe e ainda esperançosa de ajuda.
Retirou novamente o peixe da bolsa, fitou-o por uns cinco minutos e sorriu meio orgulhosa da decisão que havia tomado!
Guardou-o novamente e apanhou um bloco de notas e rabiscou o nome: Chico Mendes; e o prendeu atarraxando o papel na tampa do aquário. Depositou a carteirinha da “Associação Ambientalista” sobre o mesmo e deixou o resto de vida se escoar, e ser evaporada de seu corpo!
Ela não traiu seu propósito!Nem mesmo diante da morte!
A estrada que a havia levado até ali, e que impediu a localização e resgate passava por manutenções e os corpos só foram encontrados muito tempo depois, um ao lado do outro:
O peixe, e a ecologista!


Anderson Dias Cardoso.

domingo, 22 de maio de 2011

Um Fim Alternativo.


Entregues ao belíssimo jardim puseram se a explorar as possibilidades do lugar com toda gana sensorial recém criada e descoberta.
O criador sorria enquanto os guiava e apontava esse sabor, aquela textura, uns tantos cheiros e muitas outras  vidas!
-São suas!
-Como?-Soaram as duas vozes em uníssono.
-Todas existências e possibilidades!Criei-as para vocês!Tornem se um grande povo e dominem sobre minha criação!
-Nós o amamos!
-Não mais do que eu! Mas recomendo que não comam daquela árvore!
-Qual seria o motivo?
-Uma espécie de conhecimento!Ele os fará a independentes...Os fará grandes; mas suas grandezas terão o ônus da diminuição de seus irmãos, e finalmente tentarão suprimir minha presença de suas vidas!
-De forma alguma Senhor!Lhe somos devotados de todo o coração!
-Sei que são!
O sorriso foi nublado por algum pensamento triste, e Ele se despediu e partiu prometendo voltar na viração do outro dia.
-Eu os darei a dádiva de conhecerem o tamanho de minha graça através de uma outra realidade.
O casal não compreendeu, não questionou, não se importou, mas o dia convidava a um passeio; e o clima, a um banho!
Adão dormia e Eva se enfeitava com flores, e se mirava num remanso e sorria de suas novas cores, e uma voz disse doçuras por detrás do tronco da árvore.
Era uma criatura graciosa, colorida e alada. Desceu preguiçosa para mais perto para que sua voz soasse melhor.Perguntou da fome e a ofereceu um pomo, outro ainda, e por fim aquele proibido, mas ela recusou!
-Além de saciada poderás ser como Deus!
Os lábios tremeram, e a mão tímida se estendeu para apanhar sua desgraça!
O gosto era excelente, assim como todos os outros mas o susto do assalto da mão possante de seu companheiro quase a fez engasgar!
-Por que fez isso!??
-Quero minha independência!
-Se é assim, quero me emancipar também!Não só de Deus, mas também de ti!-E a maçã desceu garganta abaixo!
A lucidez veio como um gosto amargo ao paladar, e na inquirição do dia posterior ambos se entregaram, e também a serpente! A sentença devia se cumprir, assim como as maldições que naturalmente acompanhavam aquela rebelião.
O relacionamento não sobreviveu à mágoa  da tentativa  de suplantarem um ao outro   e apartando-se não mais se viram, e ao cumprirem seus dias pereceram pelos seus pecados; e com eles toda a humanidade!


Anderson Dias Cardoso.

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