quinta-feira, 30 de junho de 2011

Amigo Imaginário.


Já se arrumando sentia o forte cheiro de café, e descendo rapidamente a escadaria já via o casal amado na mesa posta aguardando sua passagem.
Com pedaço de queijo entre os dentes perguntou sobre a ausência do irmão e este surgia como uma aparição desgrenhada vindo da sala após um dos ataques de cinefilia que o acometia vez em quando. A manhã estava calma, sem olhares preocupados.
Das figuras uma outra se aproximou com passos surdos, e o apressou com os olhos tristes e não notando intenção de deixar o amanteigado e leite tentou o arrastar pelo pulso, o que espantou o trio.
-Me largue!Ainda não acabou!
-Quem está ai?-A mãe já se desesperava.
-Meu filho... Você tem que se tratar- Agora, com o pai eram duas forças o disputavam enquanto o irmão aborrecido arrastava sua cadeira e deixava o ambiente atribulado levando um pãozinho e uma xícara de chá.
-Está armado o circulo dos malucos!-A porta da sala fechou o restante do monólogo e o controle fez gritar a TV. Aquela briga não mais o pertencia.
A tensão foi diminuindo com o conformismo, e com as explicações e o jovem conseguiu se afastar dos gritos da mãe e do abraço do pai, que o retinha impedindo que alcançasse a porta, e num desmaio manjado o pai desviou seu cuidado para a mãe e ele escapou ainda os consolando à distância, e a segunda porta se fechou.
As mãos o sacudiram violentamente, e quando o viraram ele esteve fitando aqueles olhos envelhecidos de amargura, e falando o hálito o embrulhou o estômago e a náusea o distraiu daquilo que havia dito. Procurou se afastar e se reorganizar para então enfrentar os insultos.
-Quando essa loucura ira acabar???-O jovem melancólico distanciou-se dois passos- Estão destruindo sua vida!
-Vamos andando, tenho que ver Jéssica. -  O agredido tomou o caminho contrário evitando o olhar pesado e logo o foi seguido pelo ser murmurante, mas  ignorou a maioria das reclamações.
Soou a campainha e esperou oito costumeiros minutos; tempo mínimo às vaidades da beleza, que surgiu anunciada por um perfume fresco e adornada por um sorriso autêntico, branco e harmonioso. Houve um abraço tenso e a moça decodificou toda a situação.
-Vamos entrar!-Deslizou sua mão à dele e o tracionou rumo à casa, mas ele resistiu.
-Não posso! Não o quero deixar aqui fora... Ele é meu amigo!
-Ele não existe!
-Você não entende!Ele está aqui ao meu lado... -As mãos cerraram os ouvidos, e o sangue ruborizou as faces e ela tentou fugir da loucura mas quando os lábios acariciaram a testa o amor a enterneceu e ela o abraçou novamente. Agora os corpos se esqueceram de qualquer ameaça e gozaram do calor e afeto um do outro, mas foi gozo breve, pois o olhar descontente do amigo o irritou, e ele preferiu entabular logo uma conversa, contando amenidades e tentando uma distração para ambos com estórias divertidas.
O itinerário, deixada a namorada, foi uma seqüência quase agradável de visitas das quais a segunda foi na casa dos avôs.
 Eles, já acostumados com a presença invisível do amigo esperavam alguns segundos antes de fechar a porta. Tentavam ser corteses, mas com ar sempre descrente. Serviam dois pratos, dois copos e o participavam das conversas da família, mas ele permanecia encostado à parede da sala de jantar, com olhos raivosos esperando para deixarem aquele ambiente hipócrita.
Na casa de seu melhor amigo apanhou uma apostila e preferiu deixar incógnito seu acompanhante, e após cinco minutos de prosa já rumava para outra visita.
A “Casa” era o ambiente para se sentir tranqüilo. Tudo era performance, e as maiores esquisitices eram permitidas.
Moveu as cortinas pesadas e ao se mostrar  foi saudado com sorrisos, e “brincou” apresentando seu amigo invisível a toda trupe e eles se riram lembrando-se daquela brincadeira e saudaram o espaço vazio, e beijaram a face do nada e convidaram o “delírio” a se sentar na roda. Ele não riu das simpáticas brincadeiras.
O ensaio da peça se desenvolveu até a cena do escândalo da mulher traída, e quando a arma apontou o coração do jovem como vingança a voz do amigo antecedeu o grito da morte.
-Eu não agüento mais!Esmurrou duas... três vezes a boca do jovem; até que viu o sangue manchar os dentes.
-Alguém me ajude!-O círculo se mantinha distante ao embate, observando o espancamento.
O amigo o sacudia violentamente, e gritava maldições ao moço confuso.
-Socorro!Ele vai me matar!- O grupo continuava assistindo, sem esboçar reação.
A cabeça se chocou com o encerado, o ar começava a fugir dos pulmões e ao fixar os olhos, viu o círculo de amigos se desfazerem no ar enquanto a fúria do amigo se tornava em lágrimas.
O peso do moço era o inverso da agressão, e a voz possante diminuiu a um cicio triste.
-Sua loucura está destruindo minha vida!
A exclamação abriu-lhe os olhos, e viu que não era um teatro, mas um barraco quase destelhado e toda uma imagem de miséria.
Não haviam pais, avós, namorada ou amigos...
Havia um paupérrimo irmão cuidando de um louco às custas de doções.

  Anderson Dias Cardoso.

domingo, 26 de junho de 2011

As Vacas.

Reduziu e logo estacionou o “monstro” no acostamento  diante das três vacas.
Ao descer cuspiu a saliva grossa que lhe inundava a boca, mas esta teimou em prender-se aos lábios e marcar a roupa.
A pausa também era oportunidade para urinar e junto ao ruído do processo ouviu cochichar das bocas bovinas; que além de capim ruminavam um diálogo quase filosófico onde a problemática era as novas formas de clonagem, e ao ouvirem seus passos o incluíram no assunto.
-E o que lhe parece João?- O timbre doce da voz da criatura malhada o fez se esquecer de perguntar de onde se conheciam.
-Haverão ganhos interessantes à custos altos. Regeneração orgânica, retardo do envelhecimento, cura de doenças...Empirismo cientifico com animais e humanos, engenharia genética aberrante...
-Não é esse tipo de clonagem que está em debate- Resmungou a vaca castanha- O mundo está sendo inundado por clones intelectuais em escala industrial.
-Dizemos de reproduções de estereótipos comerciais criados pela veiculação viciosa de conteúdo irrelevante e induzente –Completou a rouca vaca negra.
-Ainda existem guetos de produção intelectual e relevante nas mídias...- Articulou com o hálito etílico e perdigotos saltando involuntariamente enquanto a razão combatia a vertigem e acertava os pensamentos.
-Sim! Conteúdo pago- assumiu a malhada- quanto à TV aberta ou qualquer veículo, eles  o apresentam tão repetitivamente, com diagramação tão pobre e linguagem tão desinteressante que não retornamos à esses canais e meios pela certeza de nos depararmos com uma reprise sem ao menos atrativos áudio-visuais!
-Essa mesma repetição é encontrada nos conteúdos dos canais “ordinários,”-Mugiu a vaca negra-  só que disfarçada de conteúdo novo, e cada vez mais apelativo.
-As variáveis da programação são basicamente os produtos, fetiches e ideologias desagregadoras pedidas pelas conjunturas sócio político econômica- sorriu a criatura castanha.
-Uma unificação ideológica mundial encabeçada por empresas exportadoras  de...-num repente a lucidez retornou ao motorista, e a realidade da conversa se tornou em um medonho delírio, e ele correu de volta ao seu caminhão, e dando partida arremeteu contra o trio ruminante, e daí em diante não era mais consumidor de “rebites”.


Anderson Dias Cardoso.
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