terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O Destino dos Homens-Pássaro.



Daquelas coisas que, vez em quando acontecem com garotos pobres que vem do interior para tentar a sorte na cidade grande:
Um belo par de asas surgiu, do dia para a noite, naquelas costas magras, de coluna envergada pelo peso dos milhares de sacos de cimento que havia carregado em seus poucos anos de vida.
Morava no quarto andar, mas isso não era nenhum luxo, já que dividia espaço com ao menos cinco outros moradores fixos, e alguns eventuais, que também acreditavam que as ilusões das metrópoles poderiam ser mais suaves do que os dias exposto ao sol, empunhando uma enxada, revirando massa.
O garoto, de início, sofreu um leve espanto. Tentou ligar para algum deles, mas se lembrou que suas chamadas à cobrar eram costumeiramente desdenhadas por amigos e parentes.  Foi então até o espelho, esticou aquela nova “estrutura” que lhe havia saltado inesperadamente do corpo, e sentiu os tendões se distenderem e os músculos do lombo se contraírem.
As asas agora faziam os movimentos dos pássaros, e todo objeto leve dançava sob a influência dos torvelinhos criados pelo “homem-pássaro”.
Olhou para o pequeno apartamento, e aquele mundo lhe pareceu pequeno demais para ele. Haviam redes de proteção nas janelas; e foi aí que percebeu que aquilo não era um lar, mas uma gaiola de pombos. Pegou a faca, e de cima de seu colchão de espuma, pôs se a  serrar aquelas grades de nylon. Cinco minutos, e estava livre!
Despiu os pés rachados dos chinelos, deitou o joelho na beirada da janela enquanto olhava para o céu. O dia não era perfeito, mas havia de ser lembrado até o ultimo instante de sua vida. Ele sorriu por tamanha sorte, e saltou.
Não sabia que pássaros sofriam câimbras (talvez eles não sofressem), e não havia tido tempo de aprender a planar. Caiu ali mesmo, naquele discreto bloco, tendo como  único espectador o desconhecido que a sorte lhe provera para auxílio.
O homem até que tentou ajudar. Já havia sabido de outros casos de jovens alados que despencavam de prédios; mas aquele, como costumavam ser tais histórias, era também caso perdido.
 Vasculhou os bolsos. Encontrou carteira vazia e documentos. Deixou o RG ao lado, guardou a peça de couro no bolso, enquanto sacava um canivete de sua bainha.
Serrou-lhe as asas, as quais teve a ideia de empalhar e tentar convencer suas amizades de que aquilo vinha de anjo. Ninguém acreditou, e ele, por desgosto de ser considerado o maior mentiroso do bairro, se desfez das peças no lixão da cidade.
Os laudos da necropsia não mencionaram os cortes no dorso. O legista era péssimo anatomista, e preguiçoso por excelência. O irmão que veio representar a pobre família no velório, acabou por resolver tomar o lugar do finado.
Certo dia acordou incomodado com uma forte coceira nas costas. Parece que algumas penas haviam se desprendido do travesseiro, e lhe causaram uma espécie de alergia.
Caso sobrasse algum dinheiro do ordenado, no fim do mês iria se consultar com um dermatologista.




Anderson Dias Cardoso.



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