quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Frágeis Existências 13°Capítulo.

Quando as sandálias dos muitos armados fizeram subir o pó do chão na Feira dos Gansos pouco se pôde fazer; e então os porcos levados aos carroções, e todo grão e leguminosa, ainda que murcha, foi destinado à encher os celeiros recém construídos.
-A fome é muita, porém eu construí meus campos para me manter honestamente!-Gritou a velha de longas tranças cor de fumaça, mas recebeu um empurrão para separá-la de sua cabra malhada que trazia para lha oferecer o gordo leite como alimento de suporte em dias de comércio.
-Não!!!O animal é de meu uso!-O choramingo foi seguido do impulso de seu braço esquelético, e as unhas feriram um dos homens no olho esquerdo. Um chute do companheiro curvou o corpo franzino:
-Está louca mulher!Devia ter tomado a bolsa cheia de peças conseguidas e voltado aos seus campos, onde há mais o que comer que em nossas cercanias! A apreensão foi ordenada pelos sábios para que todos possamos sobreviver à seca- Disse o homem da lança de bronze antes de erguer o corpo pequeno por seus fios.
O despreparo e brusquidão do exército, ainda verde, tiveram a reação de uns descontentes e a velha foi ajudada pelo vendedor de sapatos, que ergueu o martelo usado para tachear botas em ameaça ao grupo de homens.
-Esta é minha vizinha, e é honesta... E agora irmãos, foram escalados pelas autoridades para nos furtar o pão e ainda ferem trabalhadores idosos!?Solte já o cabelo dela milico ou lhe parto a cabeça num instante!
-A velha tenta impedir a coleta, não a largo, pois, de que vale seu martelo contra minha espada de bronze?
O martelo voou para o sorriso do homem e libertou vários dentes de suas bases, mas outra mão tomara a presa e feriu à navalha o pescoço murcho.
O sangue sufocou o gemido, pele embranqueceu diante da surpresa dos oitenta que presenciaram, então tornou cada feirante aos que conseguiam identificar como soldados (e estes eram os que portavam armas manufaturadas às pressas e a faixa de três cores atadas à testa) e os agrediram com as pedras do chão, suas facas de ofício ou o que lhes viesse ao alcance, cercando-os com suas quantidades.
Feriram-se vários feirantes, uns outros poucos morreram no local, e em meio ao círculo de reagentes caíram um à um os soldados.
O homem do avental amarelado arrastou o primeiro corpo moído ao centro, e logo que a mulher, de uma gordura rosada e vestido rendado, estendeu seus braços roliços para amontoar outra carcaça o restante fez o mesmo, e quando terminada a pilha ajuntaram-se muitas pedras e cobriram a morte como um sinal de aviso.
A culpa do revide pesou ao coração, cada qual levou seu morto e o sepultou com as merecidas lágrimas e nada foi dito à respeito daquele dia e mortos para que não se despertassem iras pelos seus ou estes, ou retaliação das autoridades.
Houve pouco ruído após o incidente, e a distância entre os campos periféricos dos quais haviam sido contratados os soldados de estação; e a miséria de seus pais e parentes permitiram negociar suas perdas com o conselho do Estado, que por sua vez quis apaziguar as partes para que não se generalizassem as demandas; e o assunto se tornou tabu.
A fome tornava corpos em pão, e o poder e posse de tantas áreas pelos três homens e seu aparelho administrativo os fazia temer que lhes negassem provisões e sementes para mitigar suas misérias, e, mesmo em face da morte de tantos, anteriormente; aceitaram as desculpas à respeito dos males e a própria seca sendo trazida pela ressurreição dos cultos antigos; e a sutileza da inclusão dos mortos adicionais como mortos atuais aos primeiros, mesmo que em condições de conservação incomparáveis.
Mas ainda haviam muitos corvos, por toda a parte; e à eles não haviam qualquer explicação...

Continua...
Anderson Dias Cardoso.

domingo, 15 de janeiro de 2012

A Diferença de Alguns.

Quando rompeu a casca; ainda, quando se emplumaram as asas não havia se alçado do chão alguma vez.
Esticava-se ao sol, comia e dormia no ninho baixo à que se apegava com carinho mediano.
Era filhote graúdo, de asas fortes e exercitadas, mas insistia que sua vocação era rente à terra.
-Tens medo dos ventos, ou da altura!- Tripudiavam tanto emplumados quanto os de mais idade.
-Absolutamente!-A resposta nunca merecia mais que poucas palavras, não tencionava convencer tanta “gente”.
-É por protesto!- Arriscavam outros, notando o desprezo por discussões- É típico dos que se querem fazer importantes por esquisitices, ou guarda de razões absurdas!
-Vida tal qual a minha não requer demandas, ou mesmo atenção forçada...
-És profeta!- O mistério sempre convenceu muitos, por seu próprio silêncio.
-Tanto quanto papagaios e corvos!
-Não tens medo dos predadores terrestres?
-E tu, não temes os que voam contigo?
E este continuava em solo, ciscando o pó, devorando a fartura viva das cascas e formigueiros.
Foi ave jovem, e depois velha; engordou-se ou secou suas carnes de acordo com as estações, teve filhos de aves volantes, e amizades aos que o permitiam...
Uns dizem que depois de anos se tornou em cachorro do mato, outros gritam que fora desde sempre um cágado dissimulado, mas destas histórias nunca foram aferidas suas verdades...

Anderson Dias Cardoso.
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