quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Frágeis Existências 5°Capítulo.

-Já circulo por entre cadeiras quase três tempos e o taverneiro e todos outros me negam uma caneca de cerveja depois de eu já ter gastado meu resto de ordenado, e ainda esperar as peças do fim da lua grande, e nada disso é por eu ser mal pagador! A antipatia devia conceder alguma cortesia ao menos!-Murmurou-Dreh-Moga escolhendo e se sentando num banco próximo ao balcão.
-Não me admira eu os desprezar tanto!-Sorriu cinicamente para si mesmo, enquanto verificava os bêbados adjacentes.
-Também o desprezo Dreh, mas lhe pago o que quiser só para ouvi-lo se lamuriar!-Disse o rosto que se encontrou com o seu ao se sentar.
-Sendo assim, se divertirá muito com este meu dia amargoso- Estendeu a mão o mais alto que pôde para chamar a atenção do ajudante, e gritou à plenos pulmões, se certificando que todos ouvissem que molharia a garganta mesmo sem ajuda dos mesmos.
-Filho do taverneiro, me traga uma caneca cheia que já estou para pagar à Puneb por sua “misericórdia”- A última palavra saiu cantada dos lábios torcidos de Dreh-Moga, mas rosto algum se virou para encarar sua pequena vitória.
-Acho até justo que os odeie tanto quanto eles o odeiam!-Puneb sorriu simpático, e deitou o caneco meio cheio à mesa.
A bebida chegou às mãos de Dreh e ele rodeou três vezes o recipiente antes de ter coragem de levar à boca.
-Não me lembro de ter tomado uma cerveja tão ruim! Aposto que urinaram na minha bebida, mas nem me importo muito com isso depois de um dia massacrante nos campos!
-Urinaram na minha também... -O sorriso saiu triste, e Puneb piscou pesadamente os olhos claros, sua única peça de beleza.
-Soube que Puneb mandou o grandalhão o despertar com algumas carícias!-O sorriso ganhou vida e se transformou em gargalhada.
-Qualquer que seja a história não foi a metade do que o contaram- Dreh enxugou o canto da boca nas mangas da camisa, e reprimiu um arroto tímido.
- Sua surra não me importa; mas a quantidade de lavoura queimada preocupa um pouco!
-Queimassem todas eu teria uns bons meses de descanso, e depois, o descanso eterno!He!He!He!
-As secas estão devorando as terras em derredor, e as profecias dizem destes desastres...
-Fosse um deus não veria o tempo de me vingar das blasfêmias deste povo! –Deu um gole longo e se aproveitou da proximidade do taverneiro para mandá-lo enchê-la novamente. Ele franziu o cenho e praguejou como de costume em uma altura em que nunca se podia entender bem o que dizia e tomou o objeto da mão.
-Não me faça desfeita, ou poderá perder um outro bêbado por maus tratos ao seu convidado!-Puneb não pôde conter o riso!
-Já me disseram que as viúvas andam fazendo libações em oferta para que os deuses se tornem propícios novamente!
-Há!Há!Há!Tratam as divindades como rameiras, das quais desprezam após a satisfação, mas logo as procuram atrair com pequenos valores quando sentem o desejo retornar ao corpo!Um absurdo, Puneb! Não que acredite em deuses, ou tais coisas, mas se existissem de fato, e fosse um deles reteria a chuva até que consumissem uns aos outros!
-Soube que as canções também estão voltando...
-As tradições orais não podem dizer mais nada!Transformaram-se em cantigas de escárnio para crianças, e já não se pode recuperar as regras dos deuses tão desvirtuadas que estão!
-Mas os cultos estão retornando, e logo os deuses da terra se erguerão para espremer as nuvens e nos dar uma colheita farta!
-Gosto de cerveja escura, vitela, uma boa noite de sono, e dos deuses nada mais se pode presumir e ainda assim, cada qual procura sacrificar ao seu gosto!Eles expulsaram os três deuses da terra em favor de novos deuses, e logo deram o mesmo fim aos demais, e agora escolhem presentes aos mesmos de acordo com seus próprios gostos e vontades! Fosse um deus eu daria estas terras aos porcos do mato!
-Mas nós os servimos de coração!
-Não entende que caso eles existam isso não teria nada à ver com sinceridade?
-Soube que uma matilha de lobos devorou a família de Jopeb quando partiram para além das cidades abandonadas!Havia uma criança enferma na comitiva...
-Acho que os lobos começaram a devorar aqui na cidade também!
-Diz do velho colecionador?-Puneb afastou a caneca em preferência à conversa. Superstições e fofocas não podiam ser bem Apreendidas com a cabeça em voltas.
-Espero que seus canários morram todos! Acho que eles são o máximo de apego do velho maldito, e serviriam para incomodar o malandro, em retribuição aos mortos trapaceados!
-Ouvi que nos campos de seu senhorio as coisas não andam muito bem!
-Os campos queimaram um pouco, mas ele ainda tem umas oito ou nove belas filhas para negociar em caso de uma colheita fraca!- Eles se riram da piada.
-Acredito que a “beleza” das donzelas filhas de Pudub não o assegurariam mais que um ou dois palmos de terra sadia!-Há!Há!Há!- A gargalhada de Puneb contagiou além de Dreh, um ou dois ébrios que prestavam atenção na conversa.
-Disseram que uma delas já foi confundida com uma mula mirrada, e quase lhe puseram arreio nos lombos magros!-O primeiro curioso invadiu o diálogo.
-Se carregarem um ou dois balaios de cereal valerão mais do que a piada estipulada!- O segundo se atreveu comentar.
As gargalhadas potentes dos quatro se multiplicaram por sua espontaneidade, e logo muitos se riam dos que riam, sem saber do conteúdo do que os fazia sorrir, e um pouco mais de cerveja encerrou a noite junto à outras maldosas anedotas.

Continua... 
Anderson Dias Cardoso.

domingo, 23 de outubro de 2011

O Filho.

Aproveitou se da porta aberta, entrou e se sentou à mesa com um sorriso de saudade; o casal de idosos não esboçou reação temendo agressão, esperaram as exigências e chantagens, mas ele somente pediu que lhe passassem a manteiga.
Café forte e biscoitos de polvilho aumentaram-lhe a estampa de felicidade, e ele falou do tempo de sua ausência e das cartas que escreveu.
Perguntou pelo seu quarto, e nele se pôs a sentir o ambiente de olhos fechados e narinas dilatadas. Os anciões sorviam a estranheza da situação com tremores de mãos e palpitações.
-Como havia deixado!Com as mesmas impressões e detalhes!- Virou-se para a senhora e a tomou num abraço emocionado.
-Acho que está cansado, sua viagem e as emoções que sente agora devem o ter sobrecarregado, deite-se que lhe trarei cobertores e o travesseiro alto de que tanto gostava. -O velho olhou o abraço de sua senhora comprimir mais o corpo alto do estranho, procurou no bolso o celular e foi se retirando do quarto.
-Sinto falta do abraço de meu pai!-O coração saltou à boca, mas o sorriso disfarçou o pânico.
-Então, sirva-se de todo o carinho que o tenho!- O velho adiantou-se um passo e tentou alcançar o pescoço, sentiu-se erguido do solo com gargalhadas quase infantis. Lembrou-se do filho morto e umedeceu o ombro do estranho com suas lágrimas.
A relação parental artificial foi sendo construída pelos afetos do filho inventado, e carências do casal e já não haviam medos ou suspeitas; e a mentira foi verdade onde iam, e com quem quer que estivessem.
O cuidado familiar era o mais perfeito, e o desconhecido foi empregado e dividiu as despesas, os presenteou com passeios nunca planejados, comemorou todos aniversários perdidos, supriu totalmente a morte do irmão que sequer conheceu.
-Sua comida continua sendo a melhor que já provei mãe!
-Queria ter herdado suas habilidades manuais e a cor de seus olhos, pai
-Que bom que o temos de volta, depois de tanto tempo!- A mãe sempre possuía uma lágrima emocionada a ser derramada em gratidão.
-Queria não ter perdido todas minhas economias nos tratamentos de seu irmão; eu poderia lhe oferecer um pouco mais de conforto, talvez um carro!- O rosto oferecia um sorriso triste e sincero que era pagamento melhor que qualquer valor.
-Uma família é tudo que preciso!- O desconhecido sorriu satisfeito, e desapareceu para nunca mais voltar.
E em um outro lugar ele se aproveitou novamente de uma porta aberta...

Anderson Dias Cardoso.
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