quarta-feira, 27 de abril de 2011

Atriz...Atroz.


Vidrada à tela, quase ébria de êxtase pela sua imersão quase inconsciente naquela estória assim permaneceu até o cair dos créditos sobre o fundo negro, até que a trilha silenciou.
Cinéfila desde sempre agora digeria a trama tensa que a capturara por tantos instantes, e entre pseudo-bruxas e intrigas a vontade de ao menos figurar uma cena num outro mundo construído por qualquer mente prodigiosa se avolumava e perturbava a alma!
A pressão do desejo se juntou à estória vista; e tomando o telefone implorou a presença do melhor amigo.
Na chegada o apertou num abraço, e já dentro da casa o fez perder alguns minutos em gostosa prosa, até que o tratamento cortês desapareceu num grito, e a garota correu à rua com vestes rotas e rosto marcado de sangue. Ela gritava “ESTUPRO”!
Reuniram-se tantas pessoas quanto os espaços permitiam, e das frases esparsas souberam das barbaridades e formaram o veredicto, e com paus e pedras se encaminharam para executar a sentença!
O corpo do “monstro” chocou-se ao chão, já úmido de sangue; a cabeleira negra engrossava seus fios através desse fluído.
Ele não gritou!Não compreendia o motivo da violência!Só sentia a rigidez dos golpes e das pedras até que o espírito abandonou o corpo!
Entre as consolações da multidão a garota sorria por dentro. Conseguira representar seu primeiro papel com desfecho além da expectativa, e agora  gozava daquelas  lágrimas que rolavam copiosas como coroa de sua cena, enquanto o corpo amigo descansava ao colo de uma pequena plateia familiar que murmurava seus lamentos por medo da represália dos revoltosos.
Passado o tempo e esquecida a história a garota, agora mulher; apropriada de seu dom de interpretação e confiança rumou para a capital à cata de peças de teatro, campanhas publicitárias ou qualquer caminho que a levasse à TV; mas mesmo dotada de todas as expressões e qualidades, mesmo enganando a todos com suas pequenas trapaças não logrou êxito em qualquer projeto, e entre drogas e prostituição foi se desvanecendo em um palco muito diverso daquele tão sonhado...


Anderson Dias Cardoso.

domingo, 24 de abril de 2011

Ritual de Passagem.


Havia cumprido alguns rituais de passagem e agora os pés descalços procuravam ser silenciosos enquanto a presa parecia próxima, ainda que escondida pela mata densa.
As técnicas de rastreio eram muito eficientes e o sol das quatro mostrava os possíveis caminhos sombreados seguidos pelo animal, e os sulcos desenhavam o espécime em características e peso. Já haviam se passado dois dias de perseguição e expectativa, a carne não importava, mas era necessária a demonstração de virilidade que tão valioso troféu conferia.
Na perseguição chegou a um rio estreito onde as pegadas findavam; abaixou, sorveu um pouco de água e seguiu atravessando a corrente quase morta, e sentiu um leve cansaço e ardor nas extremidades que eram agora povoadas de grandes calos.
Não se lamentou, antes, sentiu um leve orgulho!
A trilha bem marcada permitia alguns instantes para se alimentar, e na procura por larvas embaixo nos troncos decompostos nada encontrou, mas notou um ninho no alto de uma árvore quando um raio de sol lhe feriu os olhos. Subiu, tanto pelos alimento quanto pela vista; um ponto de localização.
Eram ovos de tucano, e foram engolidos com certa pena, e na copa espessa do jatobá  se fixou em descobrir o animal.
Desceu eufórico tomando os apetrechos que se escoravam no tronco possante e correu esquecido dos pés torturados. Folhas roçavam seu corpo, galhos feriam e úmido de suor diminuiu seu ritmo com a proximidade do animal!
O coração tamborilava no peito eufórico, o ar faltava pelo esforço da corrida e ele se ocultou atrás de um arbusto, e vislumbrou pela primeira vez sua caça: Um veado campeiro de pelagem castanha detalhada de branco.
Preparou o arco, selecionou a seta mais aguçada, e na mira alcançou os olhos despreocupados e doces da criatura, e o impulso num repente o abandonou!
 A dignidade e beleza do bicho o confundiram, deixando nascer um afeto!
O título de caçador pareceu coisa egoísta, até insignificante; e ainda pesou a troca da vida pelo sabor, e ele quis deixar viver  não só esse, mas todas as criaturas de sangue rubro, decidido a não mais caçar, não mais devorar vidas, e ao se virar, abandonando respeitosamente o novo liberto foi meditando a respeito das maravilhas daquela fauna...
Na surpresa uma  onça o abateu, se regalou com aquele corpo piedoso...
E ele salvou aquele veado pela segunda vez!

Anderson Dias Cardoso.
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