quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Amor e Loucura.

O contador de estórias, ele mesmo presenciou tal acontecimento: Os loucos se amaram!
O namorado entregou a caixa vazia e a namorada a abriu se encantou e ergueu polegar e indicador que seguravam o nada, e o olhou contra a luz, enxergando um brilho no vácuo.
-O mais belo anel de todos!Diamantes graúdos para celebrar um amor eterno!- E ela ornou o anular, orgulhosa da proposta.
Ela vestiu se de lírios, e se coroou com trançados silvestres.
Ele vestia jeans e camiseta de banda, e os ralos cabelos teimavam em se desalinhar.
Tomaram animais por convidados, e antigas árvores por testemunhas e se riram satisfeitos do enlace; mas o amor secou no mesmo repente do nascimento.
Ela se viu enamorada por um anjo, ou criatura abstrata; e ele tentou lhe apreender a alma, mas ela era esquiva ao toque, fria ao apelo.
Ele capturou um vento, e lhe armou um laço para os fios, mas ela desfez o arranjo.
Presenteou-a com uma flor que ainda não havia sido inventada, mas o cheiro não trouxe sensibilidade ao coração.
Cantou com o pensamento a mais bela música, mas aos ouvidos impassíveis soou como cacofonia.
Em desespero o amor ciumento tentou matar o amante, mas qual era seu rosto e quem era sua pessoa?
Se algum dia o via, era reflexo nos olhos da amada, e se era anjo para ela, ele o chamava demônio!
Na negociata sentimental ele ofereceu um meio coração, mas ela preferiu seu amor inteiro, visceral e egoísta e se afastou para nunca mais voltar.
O namorado, entristecido lançou o anel que não existia de sua mão, e curiosamente o contador de estórias viu que mesmo assim ele lhe marcara o dedo.

 Anderson Dias Cardoso.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O Painel Dos Pintores Mortos.


Sempre havia um sorriso para aquela ala, para aquele painel quase folclórico onde orgulhosamente apresentava seus notórios antepassados em um emaranhado barroco de rostos.
Rezava a lenda que o primeiro à finar foi Augusto. Pintou-se numa jocosa brincadeira, onde ele era o coveiro que sepultava a si mesmo, e sorria, pá em punhos e cara cadavérica. Mal se diferençava o vivo do morto.
Tal brincadeira e logo descia deveras à cova.
Seu irmão, Afonso, lhe prestou homenagem e continuou os belos traços, se representando travestido de padre em exercício de extrema unção, concedendo ao menos o paraíso ao que, pela insensatez do chiste debochado pagou com a vida tal irreverência!
Morto também o irmão, em destino semelhante, interveio o filho deste com acréscimos de uma procissão, e se confortou se pintando anjo para guiar os dois parentes à glória celestial.
Seu destino não foi diferente, recebeu recompensa pela insolência e deixou os pincéis que recebera de seu pai, que recebera do irmão de seu pai, ao seu filho, que ousou pintar sua mão como a mão estendida de Deus resgatando a parentada morta.
Morreu também, este e outros tantos que fizeram emendas à obra mórbida, e aos que foram adicionados como figurantes no enterro, e este estojo que carrego em minhas mãos é testemunha de cada tragédia, e chegou-me através de um pai zeloso que morreu de velhice, e me impediu de brincar com minha vida pintando o que quer que seja nesse imenso recorte de mortes!
Não sou supersticioso, mas não flerto com as possibilidades; por mais absurdas que possam parecer, e assim como me mantive artista; porém longe dessa imensa representação da morte assim ensinarei ao meu filho Lucas que evite este local, e possa se manter vivo!
Ele será um grande artista! Em seus seis anos já caracteriza à todos que lhe agradam o coração com desenhos cheios de personalidade, bem similares ao real! Não e mesmo Lucas?
A menção do nome despertou a criança ruiva do transe, e ela se desviou dos rabiscos que traçava em giz vermelho.
O pai notou os óculos redondos, o bigode ralo, a discreta calva e a camisa xadrez numa figura próxima ao caixão.
Lágrimas deslizavam pelas bochechas rosadas.
Uma tristeza profunda beijou o coração paterno, ele se abaixou, abraçou a criança e lhe entregou o estojo.
Ambos sabiam o que isso queria dizer.

 Anderson Dias Cardoso.
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