segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O Painel Dos Pintores Mortos.


Sempre havia um sorriso para aquela ala, para aquele painel quase folclórico onde orgulhosamente apresentava seus notórios antepassados em um emaranhado barroco de rostos.
Rezava a lenda que o primeiro à finar foi Augusto. Pintou-se numa jocosa brincadeira, onde ele era o coveiro que sepultava a si mesmo, e sorria, pá em punhos e cara cadavérica. Mal se diferençava o vivo do morto.
Tal brincadeira e logo descia deveras à cova.
Seu irmão, Afonso, lhe prestou homenagem e continuou os belos traços, se representando travestido de padre em exercício de extrema unção, concedendo ao menos o paraíso ao que, pela insensatez do chiste debochado pagou com a vida tal irreverência!
Morto também o irmão, em destino semelhante, interveio o filho deste com acréscimos de uma procissão, e se confortou se pintando anjo para guiar os dois parentes à glória celestial.
Seu destino não foi diferente, recebeu recompensa pela insolência e deixou os pincéis que recebera de seu pai, que recebera do irmão de seu pai, ao seu filho, que ousou pintar sua mão como a mão estendida de Deus resgatando a parentada morta.
Morreu também, este e outros tantos que fizeram emendas à obra mórbida, e aos que foram adicionados como figurantes no enterro, e este estojo que carrego em minhas mãos é testemunha de cada tragédia, e chegou-me através de um pai zeloso que morreu de velhice, e me impediu de brincar com minha vida pintando o que quer que seja nesse imenso recorte de mortes!
Não sou supersticioso, mas não flerto com as possibilidades; por mais absurdas que possam parecer, e assim como me mantive artista; porém longe dessa imensa representação da morte assim ensinarei ao meu filho Lucas que evite este local, e possa se manter vivo!
Ele será um grande artista! Em seus seis anos já caracteriza à todos que lhe agradam o coração com desenhos cheios de personalidade, bem similares ao real! Não e mesmo Lucas?
A menção do nome despertou a criança ruiva do transe, e ela se desviou dos rabiscos que traçava em giz vermelho.
O pai notou os óculos redondos, o bigode ralo, a discreta calva e a camisa xadrez numa figura próxima ao caixão.
Lágrimas deslizavam pelas bochechas rosadas.
Uma tristeza profunda beijou o coração paterno, ele se abaixou, abraçou a criança e lhe entregou o estojo.
Ambos sabiam o que isso queria dizer.

 Anderson Dias Cardoso.

3 comentários:

Masturbação Mental disse...

Aqui...
Um ótimo texto como sempre,tive feshbacks do livro Memórias póstumas de Brás cubas,não sei,talvez pela ideia "póstuma" mesmo.
Até mais ler...(aprendi isso no recanto,rsrs)

Célia Ramos disse...

Muito bom texto, como sempre...Estou ficando repetitiva? rsrsrs..Bom! É que preciso renovar o vocabulário pra poder expressar a admiração por vosso trabalho!!!Bjossss..fica com Deus!

OceanoAzul.Sonhos disse...

Você relata muito bem, nos envolve em suas histórias deixando-nos presos ao ecran.

Tenha um bom dia, abraço
oa.s

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...