sábado, 12 de maio de 2012

T.O.C.


Era menina de muitos artifícios e alegria exagerada, se divertindo dos jogos inventados.
Torcia-se pelos espaços de árvores, cantava canções de ninguém, e às vezes conversava com o vento, enquanto andava desacompanhada dos maturos.
Em verdade, era paupérrima e suas solas já foram sofridas por atritarem e se equilibrarem com os cascalhos do quintal e ruas.
Suas cores eram, o verde dos olhos paternos, o negro dos fios maternos e o vermelho respingado das sardas do irmão, e nestas ela os reconhecia em qualquer lugar ou objeto e deixava os lábios produzirem o gostoso sorriso.
Quase nunca ganhava presentes, e, por este talvez, as ocasiões se ampliassem em significado extrapolando a inquietude da alma pequena, e condensando as emoções em lágrimas.
Ganhara, na colhida de outra primavera um bambolê por cada, marcados e representados por suas cores, e pôs se à dançar com os anéis sob os olhares embaciados de quem podia dar tão pouco.
Seu dia passou com a celeridade comum dos dias vulgares, porém a emoção não foi rompida pelas sucessões, e ela ainda se divertia sozinha com as argolas viajando na cintura magra, e quadril ossudo; até que veio a ameaça interior:
-Cada cor um ente, o movimento demanda vida!
Sozinha, pelo abandono involuntário em prol do sustento, ela se contorceu, sentindo pesar a diversão.
Houveram câimbras, suor e fraquejar de pernas; e ela segurava pendurada em seus quadris a vida da família.
Não gritou, pois lhe ocorreu que outro corpo nada tinha à ver com a imposição da voz de sua loucura.
Três horas, e num falsear de movimento tomba o vermelho, e ela se convulsiona em um choro soluçado, ainda que mantendo toscamente a harmonia do traçado para as outras peças.
-Foi acidente!Perdoa-me irmão!
Cinco e quinze, o negro escorrega mesmo com a intromissão dos joelhos cansados, e o desespero quase fez morrer as vontades!
A mãe se fora por sua falta de jeito!
Oito e dois, e já não havia com que se sustentar, o desmaio havia roubado seu último apego; e foi assim seu sofrimento, vivendo a mortandade até o retorno de seus amados!

Anderson Dias Cardoso.

domingo, 6 de maio de 2012

Um Padeiro e Um Filho.


Primeiro a vizinhança ficou sabendo da demissão do morador da casa 173, e logo após alguns dias já era percebida a diminuição da freqüência do infeliz em qualquer estabelecimento.
Era homem direito, sistemático por criação, e quando os encontros de renegociação com os credores deram indícios de que um emprego não surgiria tão cedo, apesar dos esforços, logo passou a andar cabisbaixo, oprimido pela vergonha!
Não demorou, abandonou qualquer contato exterior.
Havia um filho, de idade de relativa responsabilidade, e este foi escalado para intermediar os acessos aos mantimentos e contatos indispensáveis.
Saia com freqüência pouco maior do que a do pai, e dos lugares imprescindíveis, a padaria era visitada diariamente.
Sentia saudades da fartura de outras épocas, e ao invés das quitandas de massas leves, o leite tipo A e o pudim que sempre reluzia seu amarelo densamente saboroso; pedia ele um pão único para a fome tripla.
De início o padeiro não se perturbou, porém, quando se afinaram um pouco os braços e amareleceu a tez do rapaz o coração do homem o lembrou de sua caridade:
-Toma estes pães para teu pai, tua mãe e para aliviar tua fome!
-Perdão senhor, mas nossa pobreza não o diz respeito; e ao aceitar esmola envergonharia ainda mais meu velho diante dos vizinhos!
-Digo-te que nada direi à outra pessoa!Minha boa vontade não espera aplausos!
-Talvez mesmo meu pai se encabule em agradecer-te tamanha generosidade, e se negue em entrar novamente em seu negócio!
-Deixe que faça como quiser!Já foi afligido demais pela suas próprias misérias!Toma estes, e amanhã volta cá que lhe darei dois pães por cabeça!
-És o último dos generosos, senhor padeiro!
-E tu, és um filho digno de orgulho por defender os brios de seu genitor!
O garoto sorriu, e partiu pelo caminho mais demorado.
Quando chegou não mencionou a conversa, culpou as amizades pelo atraso, e dividiu um único pão com seus raquíticos pais.
Assim, persistiu a trapaça até o dia de um novo emprego...  

Anderson Dias Cardoso.
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