quarta-feira, 18 de maio de 2011

As Trevas, o Silêncio e o Toque.


Julgava que minha criança estaria confinada às sombras e ao silêncio.
Não respondia a estímulos visuais ou auditivos e se debatia apartada da vida comum, causando nos  imenso tormento.
Era corpo presente e alma aprisionada...
No desespero da ocasião; num fluir de lágrimas disse  preferir que fosse aborto!
Gritei e me abracei  ao também desesperado pai, e ambos ouvimos os soluços famintos da criança.
A comoção da tragédia foi suplantada por instintos primários ,e mais uma vez ousamos nos aproximar do berço para nos  surpreender pelo amor que não havíamos notado, e não podendo nos conter tomamo-la nos braços e oferecemos mimos e alimento, e a meiga criatura silenciou e adormeceu.
A covardia inicial se converteu em força, e o amor resolveu cultivar aquela alma com todos os cuidados e recursos;caso não podendo trazê-la de seu confinamento, ao menos de alguma forma adentrariam aquele mundo de poucas impressões,  transformando aquele “quase existir” numa existência mais plena o possível.
Aconchegava-a ao peito para que sentisse o perfume suave de canela durante a amamentação, e incentivava as pessoas próximas que se marcassem com cheiros que os caracterizassem, então cada qual se perfumava, e se fazia conhecer por seu perfume!
Oferecia estímulos sempre notando as reações, e com dois tapinhas aos ombros lhe  despertava ao código que viria logo em seguida, e ela, já grandinha pedia atenção mostrando a mãozinha espalmada.
A mão nos lábios pedia água, à barriga mostrava a fome e eu ia apresentando e codificando os objetos e pessoas através do tato, e a fazia sentir seu corpo, e ainda o comparar aos  demais que a cercavam e logo era ela quem me apresentava novos sinais e me sensibilizava às texturas e formas de maneira que pudesse entender seu mundo!
Dos sinais o mais apreciado era o abraço!Ele dizia tudo!Ele era em si um mundo de significados!
A independência relacional foi seguida pela móvel, e nós a pusemos de pé e firmamos seus passos, e uma vez segura a fizemos conhecer a topografia do imóvel, em suas zonas proibidas e permitidas.
Apresentamos todos os objetos, ensinamos todas as funções, e uma vez absorvidas a lançamos ao mundo exterior, às ruas, carros, cães; e o sol se fez provar um pouco, e o vento fazia caricias violentas, e suas cócegas arrancavam risos.
Risos acompanhados pelos nossos!!!
Da amargura do nascimento atribulado nada restara! Naquele dia havia alegria nos três corações; e ao calor do dia perceberam que não haviam trevas densas suficientes para não serem iluminadas pelas brilhantes luzes do amor!

Anderson Dias Cardoso.

domingo, 15 de maio de 2011

A Prostituta.


Tudo muito mecânico e profissional; me despia oferecendo o corpo de poucos atrativos por um preço modesto e era freqüente que o cliente fantasiasse um outro corpo de uma outra que se encontrava além de suas posses.
Geralmente eram fantasias predefinidas, pouco imaginativas, mas que serviam bem ao gozo.
Sentia-me desprezada, mas incorporava de olhos fechados a fantasia de perfeição, ao menos durante o coito, me sentindo grata por não descontarem o preço do prazer por não ser a “Idéia”, mas sim só a substância.
Entre gemidos, vez por outra escapavam os nomes dessas “Idéias”, e às vezes a emoção transparecia tão intensa que o sexo seguramente não era sua busca, mas algum afeto e realização de um típico amor platônico.
Era um teatro desigual, onde o cliente se desfazia em alguma realidade onírica, e vivia sua personagem com todo o vigor, prazer e possibilidades; enquanto me cabia a interpretação técnica, desapaixonada, mas devendo ser digna de toda credulidade e prazer...
Era brincadeira onde só um se diverte!
O ato era sempre breve, e o contato posterior, impessoal e mudo. E os corpos nus puxavam uma ponta de lençol e o sono consumia os minutos restantes do tempo que lhes cabia.
Quando o sono abandonava o quarto, e os olhos se abriam revelando toda a sordidez do espaço, com seus cheiros, sons, e ainda se lembrava do amor barato que fez, o cliente se tornava irritadiço, e vestia rápido suas roupas deixando o combinado sobre a cama, freqüentemente em um bolo de poucas notas amarrotadas.
A porta batia forte em desprezo à baixeza de minha profissão, enquanto separava minha paga entre aluguel, e algo para comer.
Após um desses tantos relacionamentos lavei-me, me arrumei para outro encontro, tranquei o quarto e ao entregar as chaves ao zelador sorri do paralelo entre aquele quarto e minha vida, mas foi um riso breve e amargo, não tinha tempo para especulações filosóficas e riso.
Outro cliente esperava!

Anderson Dias Cardoso.
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