domingo, 23 de outubro de 2011

O Filho.

Aproveitou se da porta aberta, entrou e se sentou à mesa com um sorriso de saudade; o casal de idosos não esboçou reação temendo agressão, esperaram as exigências e chantagens, mas ele somente pediu que lhe passassem a manteiga.
Café forte e biscoitos de polvilho aumentaram-lhe a estampa de felicidade, e ele falou do tempo de sua ausência e das cartas que escreveu.
Perguntou pelo seu quarto, e nele se pôs a sentir o ambiente de olhos fechados e narinas dilatadas. Os anciões sorviam a estranheza da situação com tremores de mãos e palpitações.
-Como havia deixado!Com as mesmas impressões e detalhes!- Virou-se para a senhora e a tomou num abraço emocionado.
-Acho que está cansado, sua viagem e as emoções que sente agora devem o ter sobrecarregado, deite-se que lhe trarei cobertores e o travesseiro alto de que tanto gostava. -O velho olhou o abraço de sua senhora comprimir mais o corpo alto do estranho, procurou no bolso o celular e foi se retirando do quarto.
-Sinto falta do abraço de meu pai!-O coração saltou à boca, mas o sorriso disfarçou o pânico.
-Então, sirva-se de todo o carinho que o tenho!- O velho adiantou-se um passo e tentou alcançar o pescoço, sentiu-se erguido do solo com gargalhadas quase infantis. Lembrou-se do filho morto e umedeceu o ombro do estranho com suas lágrimas.
A relação parental artificial foi sendo construída pelos afetos do filho inventado, e carências do casal e já não haviam medos ou suspeitas; e a mentira foi verdade onde iam, e com quem quer que estivessem.
O cuidado familiar era o mais perfeito, e o desconhecido foi empregado e dividiu as despesas, os presenteou com passeios nunca planejados, comemorou todos aniversários perdidos, supriu totalmente a morte do irmão que sequer conheceu.
-Sua comida continua sendo a melhor que já provei mãe!
-Queria ter herdado suas habilidades manuais e a cor de seus olhos, pai
-Que bom que o temos de volta, depois de tanto tempo!- A mãe sempre possuía uma lágrima emocionada a ser derramada em gratidão.
-Queria não ter perdido todas minhas economias nos tratamentos de seu irmão; eu poderia lhe oferecer um pouco mais de conforto, talvez um carro!- O rosto oferecia um sorriso triste e sincero que era pagamento melhor que qualquer valor.
-Uma família é tudo que preciso!- O desconhecido sorriu satisfeito, e desapareceu para nunca mais voltar.
E em um outro lugar ele se aproveitou novamente de uma porta aberta...

Anderson Dias Cardoso.

3 comentários:

Vampira Dea disse...

Ai que dó. Quanta crueldade rsrrs, mas o conto d[a uma tensao, mesmo assim tem muita beleza nessa história,por um momento houve amor, imaginário , mas houve. Beijinhos.

Célia Ramos disse...

Dá uma dó dos idosos, mas ao mesmo tempo, sente-se satisfação ao vê-los se sentirem amados e queridos por um filho que nem era deles..O importante é o amor oferecidos de ambas as partes, mesmo que temporariamente!

Masturbação Mental disse...

Que maldade, cheguei a acreditar na ternura do momento ... affi!
Muito bom mesmo!
até mais ler

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