domingo, 5 de junho de 2011

Livro dos Recordes.


Mirei minha mediocridade, feiúra e baixa estatura e notei que a fama estava longe de mim, num nicho de bizarrice bem comum nos dias atuais. Foi consultando o “Livro dos Recordes” que descobri possibilidades de me fazer notar, e dessas selecionei empolgado um feito para marcar minha existência e me empenhei de todo, e fiz com que outros se empenhassem da mesma forma!
Encerrei-me em minha casa e decidi não sair até “bater” o indiano “Nelson” em sua reclusão de 53 anos.
A família estranhou a meta, mas foi solidária ao meu sonho e me forneceu o necessário à conclusão do meu ideal, e ainda ponteou relacionamentos com fornecedores de maneira previdente, tratando da possibilidade de suas mortes como a interrupção de um sonho!
A morte realmente veio, e de 79 até 93 já havia ceifado meus pais e rompeu as relações próximas que muito me auxiliavam a acessar o “mundo exterior”; mas a Internet e celular chegaram em poucos anos e devido ao bom relacionamento estruturado pelos finados com açougueiros, padeiros e outros, me era garantida comida à porta!As contas eram pagas pela boa pensão deixada por meus pais.
Cada ano maior orgulho, e a solidão não era tão aguda quando se podia freqüentar salas de chat!
Utilizava-me dessa ferramenta, mas não comprometia minha identidade, pois temia chacotas e relacionamentos que pudessem me furtar de cumprir minha jornada.
O mundo nem me parecia um encanto, pois ao me informar nos noticiários, os males da humanidade sobrepujavam toda ordem e beleza dos poucos momentos amenos que ocupavam o resto daqueles programas. E quanto aos filmes... Eu sabia que não retratavam a realidade!
Nos momentos de ócio, entre os afazeres domésticos e outras atividades rotineiras comecei um diário onde registrava minhas memórias, e me excitava ao imaginar quantas pessoas se admirariam com minha vontade férrea e se iludiriam com histórias inventadas para preencher o vazio de acontecimentos interessantes que eram a realidade dos dias compridos e solitários de clausura.
O quadragésimo ano de reclusão foi comemorado com mesa farta, e duas cadeiras vazias. Brindei-me com muito vinho, comi “Spaghetti  à Carbonara” fingindo ser de minha mãe.Escutei os discos preferidos de meu pai e ousei uns passinhos de dança na sala acarpetada!
Senti rodar as estruturas de meu pequeno mundo, e cai sorrindo sobre a quina vítrea da mesa de centro e nem mesmo notei que a minha vida abandonava aquela casa, rompendo meu contrato com a imortalização do meu feito!
Dos meus credores o padeiro era o mais sovina, e não se conformou ao ver que eu não havia saldado minha conta antes de partir e em sua revolta resolveu desvirtuar meu feito e inventou minha loucura e a morte de meus pais por conta dessa minha ambição, e me desmereceu em outros comércios e círculos até que minha memória foi de todo vilipendiada, e eu tornado num  demônio esquizofrênico; alguém para se esquecer.
Felizmente não se costuma escrever insultos como epitáfios, então levei somente o gosto do desperdício de existência para o túmulo!

Anderson Dias Cardoso.

2 comentários:

Panul disse...

Estranho como algumas pessoas vivem assim, não trancadas em casa,mas trancadas em si mesmas tentando preservar não sei o que...
Existem tantas formas de ser especial,notável e inesquecível,basta querer.
Beijo!

Masturbação Mental disse...

kra vc é msm o kra,bateu o record,kk..
mas então tentando ser um pouco mais sério eu digo que me arrepio a cada texto que leio,sua escrita é tão culta e intelectual que me assombra,gosto da profundida que impõe aos seus textos.
muito bom mesmo esse último kra,talvez tenha gostado mais que os outros pela facilidade do texto,em relação aos outros ele é menos enciclopédico digamos assim.
me empolguei,foi maus,mas muito massa msm!
você ainda não tem livros publicados?se tiver eu me fala que eu quero comprar.

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