quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Vidas à Venda e Valores Relativos.

A fachada amarela descascada do cômodo mínimo surpreendia menos que o movimento do comércio, então se via alguns pobres e mendigos saírem sorridentes enfiando algo no fundo bolso.
Ela agarrou forte o anel e pela placa conferiu novamente a modalidade de negócios do lugar e só depois de oito minutos se atreveu se livrar do objeto caro.
 Não havia apego, somente pena.
O ambiente cheirava à fumo, e o balcão desafiava ao furto quem não apreciasse riscos e permaneceu vazio; com caixa registradora e objetos estranhos até que soou o terceiro e mais forte berro clamando atendimento.
O homem magro, de aparência marroquina e camisas de todo abotoadas lhe apareceu sorrindo uma boca triste, deficiente de dentes e oferecendo um pouco de mau-humor como recepção.
-Você quer...?
-Disseram que paga mais do que outros por jóias.
-Pago pela qualidade.
-Tenho um anel dinástico, pesado e de boa figura!
-Há quanto tempo o tem em posse?
-O descobri num cofre à dois dias... É o que restou de uma divisão de herança para uma família imensa.
Ele estendeu a mão e tomou a peça  com certa rudeza.
-Venda-o à outro.
-Preciso de dinheiro, e a peça é boa.
-Boa tarde.
-Vendo-a pela metade do preço, preciso de passagens para terras mais tranqüilas, distantes de memórias...
-Matéria sem alma não me apraz.
-Então o que compra dos miseráveis que se postam à sua porta.
-Sentimentos e apegos. Pago caro pelo que mais prezam.
-Por quê?
-Pelo prazer de possuir a maior importância de muitos.
-Para mim matéria é só matéria, com seu peso e valor de mercado...
-Para outros são pedaços d’alma.
-Se se vendem tão barato qual a causa dos sorrisos ao saírem?
-O imediatismo os consola dizendo terem feito um bom negócio.
-Mas a consciência os acusa quando são saciados os desejos e necessidades!
-Esta é a delícia do negócio!Compro barato suas primícias  e os vejo contorcerem em seus remorsos, mas suas abstinências e cobiças sempre os trazem novamente aos meus cuidados!
Esta é minha dupla recompensa!
-Mas... Por quê???- A voz gritada fez recuar com susto o interlocutor, mas a retribuição da afronta foi um sorriso.
-Alguns desejos não pedem explicações.
-Eis que entra outro freguês, e meu dinheiro quase me salta do bolso solícito para satisfazê-lo! –O Homem se adiantou à tomar um velho e descascado calhambeque de brinquedo da mão do miserável enquanto depositava notas graúdas na outra; mas os olhos foram surpresos pelo movimento da garota que tomava-lhe a peça da mão e o devolvia o dinheiro .
O pobre recuou um passo, e ela segurou-lhe o braço e lhe pôs o brinquedo e a pesada jóia na palma e o deixou evitando constrangimento; aquela alforria não necessitava palavra ou gratidão.


Anderson Dias Cardoso.

6 comentários:

raylsonbruno disse...

Amigo, apreciei o texto com um todo, mas acho que o final merece um retoque, ficou um tanto confuso o último parágrafo...
Entendi a moral da história, mas precisei ler este último uma meia dúzia de vezes... ;) Abraço!

OceanoAzul.Sonhos disse...

Magnifica história meu amigo, de um conteúdo emocional e de valor imenso.

Um abraço
oa.s

Masturbação Mental disse...

Outro excelente retrato da vida, como sempre , eu digo "Complicadamente Perfeito, naturalmente real ... "

Outros Parabéns ... e até mais ler !

Penélope disse...

Uma história triste!
Pensar que tantos passam por esta VIDA assim, desta maneira, mesmo.
Nem sempre são dadas grandes oportunidades de escolhas...
Cabe apenas a compaixão e o não julgamento!
Abraços

Célia disse...

É...ainda existem pessoas que não estão à venda, muito menos negociam sua alma!

Algumas pessoas ainda preservam valores que, mesmo diante de quaisquer necessidades, não têm dinheiro que os compre!

Unknown disse...

Haverá sempre os abutres das almas, pessoas que só são felizes com a infelicidade e o desespero dos outros.

Penso que percebi a mensagem da tua história, mas confesso que a achei um pouco confusa na última parte.

Abração!

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