domingo, 28 de agosto de 2011

As Lavadeiras.


No rio das lavadeiras os lençóis eram brancos e as prosas, maliciosas.
Cantava-se sempre a vida alheia, e enquanto a roupa golpeava as pedras as línguas sibilavam segredos.
“Joana tinha amante, Cícera já abortou, Fabrício é afeminado, o vigário é alcoólatra e a moral desceu como a imundícia destas correntes quase mortas.”
E após os mexericos seguia a cantilena ensaiada, de temas iguais em maldades sonoras.
De tantas se salvava uma que era muda, e que não se ria de versos e ritmos, mas admirava-se do soar de vozes das companheiras de lida.
Elas cantavam, e ela enrubescia.
De joelhos a muda pedia voz à Deus na igrejinha enquanto solvia hinos e derramava lágrimas, e naquela noite uma palavra subiu do coração à boca, e a congregação cantou junto à ela uma música de milagres.
 A sua favorita.
No rio a nova cantante era motivo de surpresa e inveja, e naquele dia só se ouviu soar sua voz ; ao fundo uns tantos murmúrios.
Os trapos foram sendo abandonados, e os lençóis se deitaram no balaio sem ser branqueados para que os corpos cansados repousassem em pedras e montes de areia para ouvir melhor o que era cantado.
A voz e música eram algo além do significado vulgar, era vida cantada em bela voz.
O espetáculo pareceu enternecer as circundantes, e houveram abraços e congratulações pelo dom divino, encerrando-se em um divertido banho no rio espumante.
Os risos alegres se altearam além do canto e no círculo das amigas e um rosto rompeu as águas, tentou emergir rápido da brincadeira, mas uma, outra e várias mãos se assomaram no esforço de mantê-la em seu desconforto.
O ar se foi de seus pulmões, levando consigo a vida e canto e o corpo foi liberto para descer a corrente como balsa vazia.
As lavadeiras se puseram às margens para observar a viagem, e cantaram com deboche a música viva que haviam escutado da companheira.
A cerimônia se encerrou com uma reverência, e logo as roupas eram novamente lavadas ao som de uma música que cantava a morte de uma virtuosa lavadeira por invejosas companheiras de ofício.

Anderson Dias Cardoso.

3 comentários:

Célia disse...

Eita!!! lindo texto...mas o final, como sempre me surpreendeu! É exatamente isto que as pessoas fazem com aquelas que provocam-lhes a inveja...tentam calar-lhes a todo custo!!! Preferem disparar palavras maldosas a respeito de outrem que falar das virtudes que alguém possa deixar perceber!!! É a vida!!! Tal e qual!

Masturbação Mental disse...

Núss Anderson, que final macabro, hehe, mas , infelizmente real-verdadeiro!
Concordo com a Célia, "sufoquemos os aparecidos"(pensam muitos...)

Grande abraço!

Penélope disse...

Um texto tocante que apesar de todo encanto e realismo nas histórias das lavadeiras, era bem isso que acontecia.
Uma forma intensa de narração.
Abraços

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