quarta-feira, 11 de maio de 2011

A Carpideira.


Um cortejo discreto de uns cinco carros atravessou os portões da casa dos mortos, seguindo a uma distância discreta o carro funerário, e das tristezas de minha perda me angustiou a chegada de um outro finado.
Afastei-me do túmulo da família para me concentrar no drama que começaria a se encenar.
Um enredo repetido a uns poucos minutos, mas de personagens diversos, e então vi aquela dúzia e meia de figuras que desciam; de rostos limpos e sem estampa de dor seguindo quase risonhos para entregar seu morto à cova.
Meus passos e curiosidade me levaram ao ajuntamento de velantes, e vi descansado no esquife o corpo magro de uns muitos anos de uma senhorinha de aspecto triste, maquiada com poucas cores e muito esmero, conferindo uma quase graça trágica ao corpo vazio.
Respeitei o silêncio!Respeitei-o ainda mais que os acompanhantes e procurei ouvir as palavras de consolo do curto sermão que encomendava a alma... Mas tamanho desrespeito de conversas e risinhos calaram a voz do sacerdote, e foi resolvido descer o corpo mais rápido para que o dia de luto tivesse tempo a ser gozado!
Enquanto as pás atiravam porções de terra como arremates da sepultura o cortejo se ia para os compromissos inadiáveis que os aguardavam.
Permaneci, pesando a terra que cobria o caixão, e os movimentos mecânicos dos coveiros não eram mais humanos que daqueles que a deixaram ali...
À uns é comum que o “pão” tenha um sabor comum de morte; aos segundos a indiferença causava me  estranheza.
Quando dos visitantes da senhora só restava eu; me lembrei de uma velha carpideira negra que celebrava com sua dor a morte daqueles a quem os parentes desejavam honrar; homenagens estas feitas com seus escândalos, e demonstrações de afetos exacerbados.
O dinheiro pagava aquelas lágrimas, e ela, assim como os tais coveiros, participava do comércio da morte; mas ela, de forma sensível executava seu oficio com a mesma dor dos pagantes...
Atentando aos contrastes de costumes e profissões me lembrei de meu morto, e daquele que não me pertencia, e depositei sobre aquele túmulo algumas lágrimas grátis, mas que valiam todo meu sentimento...
Acho que foram as únicas...

Anderson Dias Cardoso.

2 comentários:

Vampira Dea disse...

Já vi um vídeo e uma reportagem sobre essa profissão praticamente extinta. Dizem que é possível encontrar em algumas cidades longínquas e esquecidas de Pernambuco e também em portugal. Digno como todo o trabalhos e pra mim artístico.
Lindo conto, bjs.

Unknown disse...

Falar da nossa despedida final é sempre com dor e saudade intensa!
É inevitável dizer adeus aos nossos entes queridos, sem o coração desolado e as lágrimas escorrendo de nosso olhar, quase que perdido!
Grande abraço!

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