domingo, 30 de outubro de 2011

O Pé de Frango.


Repulsivamente deitado ao chão o pé de frango engordurava alguns centímetros de asfalto à sua volta, certamente era figura desprezada de algum almoço ou mesa de boteco e jazia amarelo de açafrão no centro da rua.
Não haviam resíduos em volta, nem expectadores à vista e eu imaginava o frango amputado, e saboroso sendo repartido entre pratos, e mordido nos intervalos de risos e conversas enquanto a parte solitária se aquecia de sol, juntava pó e formigas e me embrulhava o estômago.
A força de sua imagem era respeitavelmente angustiosa; uma coisa destoante e absurda centralizada na passagem dos carros, com unhas agudas e um brilho oleoso e eu não conseguia deixá-lo e continuar meu percurso.
Naquele pé havia uma história e um par, mas era exatamente sua materialidade peculiar  e estranha por falta de vestígios comuns à sacolinhas de lixo em que provavelmente estivera contido que transformava sua presença  numa arte do absurdo.
É claro que o asco me prendia, estacado, fitando-o de cima para baixo ao menos enquanto não avistava qualquer passante, e eu já lhe imaginava odores repulsivos, e imaginava a fauna invisível que errava sob, e sobre aquele pé.
E eu olhei à minha volta, envergonhado de uma atitude demais estranha e, não notando alguém me rendi à minha curiosidade e o tomei em minhas mãos.
Os dedos se mancharam levemente de amarelo, e eu comprimi umas poucas formigas que o fazia de refeição.
O cheiro me alcançou as narinas, e os lábios provaram a carne magra e amarga.
Haviam sido dois dias de muita fome, e minha dignidade foi vencida então... 

Anderson Dias Cardoso.

5 comentários:

Vampira Dea disse...

Nossa! A realidade jogada com força na cara, doeu viu. Um dia tive que passar um tempo em uma viagem só tomando sopa de pés de frango, já achei terrível, imagina quem tem que se virar assim

Masturbação Mental disse...

Kra, achei cômico o título mas não há nada de engraçado no conteúdo. Muito bom o texto como sempre.
Existem mesmo pessoas que fazem distinção entre uma parte e outra, os que se acham elitistas, não comem pé ... KKKKK
eu não nego, prefiro o peito, o ganhador, a direita e a esquerda,todas as coxas e o corpin ...KKKKKKKKKKKK
Desculpe a piadinha.
Você é feraaa

Monstrinha disse...

caraca!!
vc não vai acreditar, mas enquanto eu ia lendo a sua descrição do pé d frango eu começava a imaginar que seria "um desperdício" que o conto acabasse sem ele ser devorado!
Acho que mais do que uma alusão à pobreza, tanto o pé do seu frango quanto o seu personagem faminto carecem da mesma coisa: sentido e dignidade. Por isso, não consigo imaginar o cara que comeu como um mendigo, mas como uma pessoa "normal" que identificou naquele pé de frango uma falta que tem dentro de si mesmo: a falta do par, a falta de alguém que o ache desejável... o abandono.

Putz! Viajei agora! Mas o seu pé de frango me deu várias coisas pra pensar essa noite!
=)

raylsonbruno disse...

A fotografia que se formou em minha mente também me levaria a degustar a iguaria viu... Mesmo sem fome, apenas pelo desejo de poder dizer que traçamos alguma coisa realmente repulsiva, mas que não deixa de ser alimento.

Ps.: Adorei o comentário da Monstrinha..

Célia disse...

Eu gosto de pé de frango...rsrsrs...cozido e bem temperado desde a infância, sempre foi o pedaço preferido...Não sei o porquê desse meu gosto! Mas confesso que ao ler o texto, senti uma repulsa por ele...e em seguida, imaginei a situação de fome em que o personagem está submetido, para poder degustar o petisco, assim mesmo, no meio da rua, direto do chão! Enfim...Cada um sabe a fome que tem! no meu caso, é apenas uma questão de gosto! ( vou lembrar deste texto a próxima vez que for comer pé de frango novamente) E sei não, se vou comer outra vez! rsrsrs

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